APAN Formações

entrevista

por ANDER

SOBRE A APAN Formações

A APAN Formações, que até 2021 se chamava APAN EaD, é uma plataforma de educação a distância dedicada à oferta de cursos, treinamentos e processos formativos necessários para o aprimoramento das habilidades profissionais de passos atuantes no setor audiovisual, e tem como objetivo contribuir com a manutenção de uma rede de profissionais com habilidades atualizadas e em consonância com as práticas e conceitos vigentes no mercado.

A ideia do projeto surgiu de Viviane Ferreira, ex-presidenta da APAN, e teve colaboração de Renato Cândido, ex vice-presidente da Associação e de Joyce Prado, diretora administrativa.

A proposição desta plataforma de ensino a distância se deu logo quando da consolidação da APAN, em 2016, e foi implementada, de fato, em 2021, tendo os cursos dos idiomas inglês e francês como os primeiros a serem ofertados. Como diz Renato Cândido: “entendemos que o eixo de formação se configura como fundamental, como uma das prerrogativas de existência da APAN, onde podemos também compartilhar conhecimentos… fazer a nossa ‘quilombagem’ de saberes audiovisuais”.

Para falar um pouco sobre a mudança da APAN EaD para APAN Formações, e os objetivos atuais da plataforma, a Revista APAN entrevistou Zanza Gomes, atual coordenadora do projeto. Zanza é graduada em Letras e Biblioteconomia, Mestre em Comunicação pela UFG e doutoranda em Comunicação nesta mesma instituição.

ENTREVISTA COM ZANZA GOMES

Zanza, conta um pouco sobre a sua trajetória e como se deu a sua entrada para a coordenação do APAN Formações?

Eu sempre trabalhei com coisas relacionadas ao audiovisual, sempre estive envolvida com a área, seja na parte administrativa, na agitação cultural, e também tive a oportunidade de trabalhar com a Viviane Ferreira (idealizadora e primeira presidenta da APAN). Desde a minha graduação eu trabalho com ambiente virtual de aprendizagem. Eu sou de Porto Alegre, mas moro em Goiânia, e hoje também sou tutora na UFBA. Eu trabalho com narrativas negras, então eu também queria trabalhar com outras metodologias, metodologias mais participativas em que o computador não fosse o método, tipo método digital, método de ensino virtual… Eu entendia que a gente podia ter métodos que tivessem mais relação com a nossa experiência negra; pensar formas e metodologias de ensino-aprendizagem que sejam orientadas por e para pessoas negras, e quando abriu o processo seletivo na APAN, eu me interessei bastante, pois já acompanhava o trabalho da Associação, e, embora eu não produza conteúdo audiovisual, sou uma fã do audiovisual negro e da produção nacional.

O trabalho na coordenação do APAN Formações é um trabalho que exige bastante autonomia, e é um lugar bastante interessante para eu mostrar minha experiência e as ações que venho realizando desde 2012, depois que eu me formei. Eu sou professora, então meu objetivo é pensar metodologias em que a gente discuta a partir do nosso lugar para que ele esteja mais próximo da nossa trajetória, educacional, inclusive.

Porque houve a troca de nome de APAN EaD para APAN Formações? De quem partiu essa ideia?

Foi um direcionamento da diretoria da APAN da gente repensar o nome, e o Rodrigo (presidente) sugeriu da gente pensar alguma coisa com formações, e conversando com Darwin (responsável pela identidade visual da APAN) a gente percebeu como o prefixo EaD é datado, que fazia sentido em um determinado momento, até porque a gente não vive essa educação a distância, a gente tem uma proximidade, e cada vez mais queremos encurtar esses caminhos, e no pós-pandemia a gente percebe esse encurtamento mesmo, né. Afinal, o que seria o EaD? Seria uma plataforma de aprendizagem que tem ferramentas e metodologias que não precisam ser necessariamente do EaD, do à distância. Eu posso falar um pouco do que eu vivenciei com essas ferramentas virtuais de aprendizagem. Por exemplo, no EaD existe um fórum onde você posta algo e outra pessoa responde embaixo, e hoje em dia isso não é mais necessário; a gente pode, por exemplo, ligar a câmera do computador ou do celular e fazer uma videochamada, abrir uma roda de conversa mediada pela virtualidade. Nesse sentido, ela não é à distância. Então, conversando com a diretoria e com Darwin, nós pudemos depurar um pouco mais esse conceito do que seria esse EaD e o que a gente quer hoje como APAN Formações. Antigamente, a metodologia do APAN EaD trabalhava com o e-learning, e agora a gente está com uma proposta diferente, e talvez até ousada, que é poder refletir uma metodologia que seja mais voltada para referências negras. A proposta é que a gente trabalhe uma orientação mais a partir das obras de bell hooks, que é uma educação mais libertadora, transgressora. A nossa proposta é não utilizar métodos virtualizados, mas métodos orientados por uma perspectiva negra e que dialoguem mais com a nossa experiência de vida, e isso influencia o formato de nossas atividades. Por exemplo, nesse nosso primeiro curso do APAN Formações – curso de roteiro, que ocorre no mês de novembro – a proposta é que o primeiro encontro seja de escuta, entender as necessidades que as pessoas têm em relação a roteiro, se elas têm alguma experiência, e, embora nós tenhamos uma ementa, ela não é uma ementa fechada, ela é aberta. O curso será ministrado por Vinícius Silva, que é formado em Cinema e Mestre em Roteiro, e ele tem essa proposta de auxiliar as pessoas a construírem roteiros em filmes híbridos, então ele vai trazer essa construção do que é o personagem, qual é o cenário e que tipo de construção essa narrativa precisa ter para a construção do roteiro.

O curso é voltado apenas para associades da APAN?

Sim. Esse é um curso de retomada das ações e é voltado exclusivamente para as pessoas associadas à APAN, sendo divulgado nas redes internas da Associação. Nós vamos também fazer uma live de lançamento aberta para todo o público. O curso terá 6 encontros, sempre às terças-feiras, das 19h às 21h*.

*Nota da Revista APAN: a entrevista com Zanza Gomes foi realizada em outubro de 2022 e o curso ocorreu no mês de novembro.

Qual a proposta da APAN Formações para o próximo ano, de 2023?

A proposta é que ano que vem nós tenhamos atividades masterclass, minicursos, cursos de média e longa duração e oficinas. A proposta é ir ampliando. Temos o objetivo de construir uma rede de pessoas que dialoguem na mesma área, fazer um mapeamento.

E a metodologia usada nos cursos; existe uma metodologia própria e específica que se diferencie da utilizada nos demais cursos virtuais?

Nós queremos trabalhar com uma metodologia mais interativa e realizar cursos que tenham no máximo duas horas, pois percebemos que quando a gente trabalha com o método onde as pessoas apenas escutam, elas cansam. É uma questão física. Nosso corpo não foi feito para ficar quatro horas apenas escutando, e isso acaba gerando a desistência de muitas pessoas. As pessoas querem compartilhar suas experiências. É muito comum, por exemplo, começarmos um curso com 50 pessoas e terminarmos com 20, e nós temos essa preocupação. A gente quer saber como chegar melhor aos associades da APAN, e pensar também o APAN Formações como um lugar que não esteja apenas vinculado a ações no ambiente virtual. Temos como objetivo propor ações, em proporção menor, também de forma presencial, e uma das formas de conseguirmos uma comunicação mais efetiva, é a criação de grupos menores. Quando nós iniciamos os trabalhos de reformulação da APAN EAD para APAN Formações, nós aplicamos um formulário de escuta para as pessoas associadas que queriam oferecer ou fazer cursos, e a partir deste formulário de escuta nós fizemos esse levantamento, e o curso de construção de roteiro foi um dos mais pedidos.

Você falou anteriormente sobre a live de lançamento do curso de roteiro. Como se dará essa live e qual a sua importância para a divulgação do curso e da APAN Formações?

A proposta da live é a gente poder discutir o quanto que o Movimento Negro é educador. As políticas de ações educativas que a gente tem, e aquilo que a gente conseguiu acessar por meio das políticas públicas, foi uma pressão do Movimento Negro, que foi quem garantiu que nós tivéssemos isso pautado pelos nossos governantes. Precisamos entender que temos uma vanguarda nesse processo de educação e acesso à cultura. Quando tivemos o processo de abolição da escravatura, que a gente sabe que foi por motivos políticos e econômicos, a gente não teve acesso à escolarização, principalmente para quem já tinha passado do período de escolarização. Então, a gente sabe que foram as escolas de samba, os grupos de mulheres negras, os grupos de capoeira, de cultura negra, de candomblé que fizeram esse processo educativo e formativo, esse processo de acessar a escrita e leitura; esse processo de socialização foi oferecido pelas próprias pessoas negras, não foi o Estado que fez isso por nós. O que o Estado fez veio de forma tardia e por uma pressão das pessoas negras, da militância negra. Então, a proposta é retomar esse lugar. É perceber que nós sempre fizemos essa autogestão da cultura e da educação, e que foi a partir das nossas lutas que a gente teve uma regulamentação desse acesso, pelo Estado. A própria política de ação afirmativa, as cotas raciais, elas vêm a partir de uma pressão de uma militância dentro e fora da universidade para acessar a universidade pública. A gente quer trazer essa memória de que nós fomos agentes de construção de política pública.

Pela sua fala, eu percebo que existe uma preocupação de que o APAN Formações aborde também nossa história e as nossas raízes. Fazer com que esse processo de escuta e conscientização, também compreenda uma abordagem sobre a nossa trajetória e a nossa luta enquanto movimento negro e a militância para além do audiovisual.

Sim. A gente precisa entender que não existe arte apolítica, a gente é político, e a gente precisa entender por que estamos “sambando para esse lado”. A Sueli Carneiro tem a frase épica em que ela diz que “entre a esquerda e a direita, eu continuo sendo negra”, e como ela diz na entrevista do Mano Brown (no podcast Mano a Mano), “somos nós, o Movimento Negro, que empurra a esquerda para a esquerda”. Nós somos políticos! Eu não estou querendo dizer que a produção do audiovisual, do roteiro, precisa trabalhar de forma frontal com essa discussão. Mas basta, por exemplo, pegar o “Marte Um” (filme de Gabriel Martins, representante do Brasil para uma vaga no Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2023), se esse filme não é extremamente político… Ele não está dizendo “olha, estamos falando de cotas”, ele não precisa dizer isso de maneira frontal para estar dizendo isso, e essa é a grande ferramenta que nós, que trabalhamos com arte e cultura, temos a nosso favor. “Marte Um” discute as diversas questões que são do universo negro. Existem formas de construção narrativa que a gente não precisa estar de maneira frontal trazendo a discussão, mas isso vai aparecer, pois é da nossa trajetória, afinal, nós não estamos vivendo em Nárnia (um mundo fantástico), nós estamos no Brasil do século XXI. Eu tenho uma trajetória de militância negra aqui em casa, minha família é do MNU (Movimento Negro Unificado) e eu tive uma militância mais acadêmica, tive uma juventude militante, mas mesmo assim eu não tinha essa noção tão forte quanto eu comecei a ter quando Lula e Dilma assumiram a presidência. Quando a gente se interessa por política, é um caminho sem volta! É uma trajetória que se constrói, é um entendimento de como a política funciona, e não tem outro lugar pra gente discutir isso que não seja pela educação e pela cultura. O APAN Formações retoma esse compromisso. A gente precisa pautar essa formação. Então, a live de lançamento é para pensar essa trajetória de acesso e pensar quais são os nossos desafios para acessar e manter as políticas públicas e ações afirmativas para esses próximos quatro anos e para os próximos… Não existe outro caminho que não seja pela formação. A gente precisa se formar politicamente, entender quem a gente é, qual a nossa identidade dentro desse Brasil que se diz multicultural, mas que na verdade usa esse discurso para abafar o racismo que existe. Precisamos entender qual o nosso lugar, e que a gente não pode parar de pautar essas discussões, pois não há nada ganho. A gente está em construção disso tudo, e o audiovisual é um prato cheio para que a gente possa fazer essa discussão. É pensar como a gente produz nossas narrativas negras orientadas a partir daquilo que a gente é.

Zanza, tem alguma coisa que não foi perguntada mas que você acha importante que seja colocada na entrevista?

Eu tenho refletido muito, talvez até por causa da minha pesquisa de doutorado, sobre a importância da coletividade e dos valores civilizatórios africanos. A gente vive numa travessia que não se encerra. A gente está sempre em conflito com esses valores brancos, hétero normativos… Talvez a gente precise olhar quais os valores que a gente quer compartilhar, e eu acho que um dos valores que a APAN Formações vem para compartilhar, é o valor da coletividade. A APAN Formações quer se construir a partir de uma escuta e de uma construção coletiva; pensar como a gente constrói esse debate coletivamente, onde cada pessoa, dentro da sua especialidade e especificidade, possa pautar o que entende como necessário ser discutido nesse momento. Então, um dos valores que a gente vem tentando construir, é essa construção do que a gente vê como coletividade. O que é construção coletiva? É algo importante de nós pensarmos sobre, pois é isso  que vai explicar alguns posicionamentos que algumas pessoas têm, como, por exemplo, pensar o porquê de que quando uma pessoa acessa uma política de ação afirmativa, ela, muitas vezes, acaba achando que está tudo resolvido. Talvez isso se dê pelo fato dessa pessoa estar pensando individualmente. Outro exemplo, é quando uma pessoa que vai participar de um espaço de ensino-aprendizagem, achar que deve ficar de forma passiva, apenas recebendo a informação, algo que foi muito comum nas metodologias de educação à distância que vivenciamos durante a pandemia, onde o mestre fala e o aluno apenas recebe, enfim. A gente quer poder questionar também a partir desse valor da coletividade, como a gente tem acessado o processo de aprendizagem. Será que esse é o melhor jeito? Será que essa é a forma mais eficaz? Será que isso contempla as nossas necessidades? Será que isso nos afeta a ponto de a gente se interessar em modificar, transformar ou questionar a nossa realidade? Então, eu acho que esse valor da coletividade, é um valor que transita pela nossa ação enquanto cidadãos.

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