[SEÇÃO LIVRE]
Aqui o cabelo é maestro.
Rege antologia de uma vida.
O cabelo já foi sufocadamente
alisado, esticado e massacrado
pelas mãos que conduzem
o ritual de assimilação colonial.
O cabelo escovado refletia a
doutrina eugenista, racialista,
positivista que pactuava com
a tentativa catequista, calvina
de embranquecer a população
na frenética e indigesta ideia
de civilização.
Civilizar corpos sempre significou
muitas dores e opressões.
Na contramão do repertório
africano de cuidados
esquecemos que cabelo
é elemento sagrado,
de religação ancestral.
Quem cuida do cabelo,
esse novelo?
Não é qualquer uma.
No Sudoeste de Angola
era o espírito ancestral
que determinava a responsável
por tratar, manipular,
pentear e entrelaçar as madeixas.
Será que a égide colonial nos atravessou
a ponto de esquecermos, quem somos?
A rotina dramática de trabalho imposto
para nossos corpos
A falta de espaço para termos o ócio
de repetirmos nossa história
de existência e (re)esistências.
Mas a história da capilaridade não emperra
não estagnou no tempo.
Do mesmo modo que aprendemos
a nos odiar após anos de devastidão.
Desde a década de 1960
temos nos comprometido em
significar nossa estética
e nossa ética.
Se, outrora, fomos obrigados
a esquecer quem somos.
Atualmente investigamos,
vasculhamos nossa história
E o cabelo neste contexto
ganha outro arremedo.
Primeiro, ele foi símbolo
de PODER NEGRO.
Depois, ele foi devidamente
anelado
como se estivesse mergulhado
em ondas sonoras que foram
promovidas nos anos de 1970 e 1980
pela mo-vida-bilização.
Recentemente para o cabelo
adotamos para sair das amarras
da opressão colonial
o movimento de transição capilar.
Transitar do liso a raiz
E para finalizar o cabelo
em contexto de axé
é o bem mais precioso
porque ele protege
orna, adorna
trama sentidos
ao nosso Ori.
Cabelo é poder!
Cabelo é magia!
Cabelo é identidade!
Cabelo é sensonoridade.
por Fomo de Iemanjá Luane Bento
Fomo de Iemanjá Luane Bento dos Santos é Iyawo do ilê Axé Ialodê Oxum Karê Adê Omi Arô. Membra da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros e Negras/ABPN. Pesquisadora Colaboradora do Laboratório de Ensino de Sociologia Florestan Fernandes/ LABES da UFRJ. Integrante do Coletivo Linhagens dos Cabelos. Docente de Sociologia, mestra em relações étnico-raciais, doutora em Ciências Sociais e pesquisadora em relações étnico-raciais. Trabalha com efetivação da Lei 10.639/2003 no ensino médio regular, rede estadual do Rio de Janeiro desde agosto 2013. Também atua no ensino superior como docente substituta de Didática e Prática de Ensino das Ciências Sociais na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro/UFRJ (2023-atual). Foi docente de Relações Étnico-raciais na escola na Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense/UFF (2018-2019). Diretora e roteirista do Curta-metragem “Memórias Trançadas” (2022). Ministrou palestras, cursos e minicursos sobre história e cultura africana e afro-brasileira nas seguintes instituições: SESC-Ramos (2021, 2022), SESC Tijuca (2022), SESC Copacabana (2022), SESC Madureira (2018, 2022), CCBB Educativo (2018), Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro/MAN-Rio (2021), Universidade Federal de Uberlândia/UFU(2021, 2022), Universidade do Estado de Minas Gerais/UEMG (2021), Universidade de Integração Luso Afro-brasileira/UNILAB (2021), Instituto Federal de Alagoas/IFAL (2020), Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro/UFRRJ (2018), Feira de Leitura-LER (2022), Biblioteca Pública Estadual de Niterói (2018), Organização Não-Governamental CEAP (2014).