por Belise Mofeoli
Quando o cotidiano grita à alma
Um dos privilégios em ser do Conselho Editorial é poder mostrar outras faces de gente nossa, numa roupagem diferente daquelas que acostumamos saber no mercado audiovisual. A seguir, vocês poderão ver um ensaio fotográfico e, na sequência, algumas tirinhas. São tão completos que nem precisariam deste texto introdutório. Talvez quem precise dele sejamos eu e minha admiração por ambos os artistas.
Os cliques são da professora, pesquisadora e curadora de cinema negro, Ana Paula Ribeiro Alves que, aqui, nos agracia com um ensaio fotográfico delicioso, que pode ser visto em sua completude no https://www.instagram.com/alvesribeiroap/, onde constam outros de seus deslumbramentos com o mundo: lambe-lambes, vitrines, as pessoas, o cotidiano… que, embora congelados em fotos, são puro dinamismo naquilo que nos prende e suscita. O dourado e o azul eram símbolos de nobreza, sofisticação e arte para nossos Encantados. Orixás, não enfeitam-se e protegem-se com metais? Quando pensa em realezas africanas antigas, a imagem primeira não contém o uso de ouro como adornos, comércio etc? E lembremos do azul, primeira cor a ser utilizada para tingir tecidos – ao menos é o que indicam algumas múmias datadas de cerca de 2300 a.C., e diversos outros objetos egípcios – que é uma das provas da tecnologia ancestral e da produção artística que nós, pessoas negras, sempre tivemos e que, por anos, tentaram deslegitimar. Lembremos: o azul da chama é a parte mais quente dela, mesmo que no cinema, azul nos remeta, contrariamente, a ambientes frios, e os quentes fiquem para o que tiver tons mais amarelados, como o ouro deste mesmo ensaio. Quando Ana Paula encanta-se e clica cenas azuis e douradas, estará ela retratando ou relembrando-reconectando? Afinal, não é isso também que o cinema faz? A gente conserva hoje imagens para que pessoas outras, até de diferentes gerações, possam compartilhar conosco aquelas cenas, aquelas emoções. Se existe quebra e dobra no tempo, é bom que saibamos que o nome dela é arte. A propósito, Ana Paula mandou um combo “pesadão” para gente: fotos, texto e playlist.
Na sequência, uma estranha sensação de “Eita! Já vi esse filme, só que na vida real!” ao ler as tirinhas do roteirista Estêvão Ribeiro, vai te ganhar. Ele é autor (dentre várias outras coisas) de “Passarinhos” e “Rê Tinta” há mais tempo do que escreve para audiovisual e, conhecendo seus trabalhos – que tudo têm a ver sobre o universo daquilo que interessa à Revista APAN –, é possível entender a lógica dos temas que permeiam suas obras. Política, doçura, drama, bom humor, embates éticos, relações de mercado…, é um pouco de cada uma dessas coisas que pretendi ofertar a vocês quando selecionei este pout-pourri do Estêvão. Mas se você quiser maratonar pelos quadrinhos dele: https://www.instagram.com/oestevaoribeiro/. Confesso que conheci Rê Tinta antes de ficar amiga do Estêvão e ao sacar a deliciosa coincidência, já soube que seríamos amigos. Rê Tinta é uma criança que me emociona, já Hector e Afonso – estes são os nomes “empoladinhos” dos personagens de Os Passarinhos – são adultos e têm crises criativas e mercadológicas. Como sou roteirista, separei algo nessa linha, para rirmos (mas é com respeito, tá?) da dupla.
Divirtam-se e apaixonem-se, assim como eu, pelos trabalhos de Ana Paula Alves Ribeiro e Estêvão Ribeiro. Acompanhem o todo que há por trás dos trechos aqui postos, garimpando mais da arte de ambos. E, não, eles não são parentes. Os sobrenomes são apenas mais uma bela coincidência do destino. De nada, galera! Sei que ficou um arraso!
ANA PAULA ALVES RIBEIRO
Antropóloga, Professora Adjunta da Faculdade de Educação da Baixada Fluminense (FEBF – Pedagogia, Departamento de Formação de Professores/UERJ) e do Programa de Pós-Graduação em Culturas e Territorialidade (UFF). Pesquisadora do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros (NEAB/UERJ), coordenadora do Programa de Extensão Museu Afrodigital Rio de Janeiro (Decult/UERJ) e do Laboratório de Experimentações Artísticas e Reflexões Criativas sobre Cidades, Saúde e Educação (LEARCC/FEBF/UERJ). Fez parte da equipe do Encontro de Cinema Negro Zózimo Bulbul Brasil, África, Caribe e Outras Diásporas em 2015, 2017, 2018, atuando como curadora (com Janaína Oliveira) em 2020 e 2021. Tem experiência nas áreas de Antropologia e Metodologia da Pesquisa e atuação nos seguintes temas: Cinema e Cidade, Cinema Negro, Políticas Públicas, Relações étnico-raciais e Educação e Cultura afro-brasileira.
Instagram: @anapalvesribeiro
PARA ENTENDER O AZUL
Confira aqui a playlist que a Ana Paula Alves Ribeiro, carinhosamente, preparou para você ouvir enquanto aprecia o ensaio fotográfico “Para bordar de Azul (e Ouro)”.
‘Para entender o azul’ é uma série de registros fotográficos que iniciei em janeiro de 2019, com divulgação pelo Instagram. Céus e nuvens, portas, tecidos, obras, arquiteturas, água. O que aponta para o azul, registro. Desta série, separei algumas imagens: ‘Para bordar de Azul (e Ouro)’, e sobre as mesmas escrevi:
Sou uma filha (também) de Oxum.
Mas persigo, há anos, o azul de Iemanjá.
Nunca entendi muito bem, a não ser pelo fato de que azul, esse azul, é a cor que Iemanjá carrega.
Iemanjá, a mãe que não é minha, mas ao mesmo tempo é nossa.
É para essa mãe que dedico as fotos (azuis) que tiro.
Bordando de azul (e ouro), bordando para Iemanjá, bordando para Oxum.
ESTÊVÃO RIBEIRO
Escritor, ilustrador e roteirista audiovisual. Autor de dezenas de trabalhos, entre quadrinhos, livros infantis e romances. Suas obras totalizam mais de 200 mil exemplares vendidos. No audiovisual, trabalhou em salas de roteiro para Multishow, Netflix, Amazon. Atualmente trabalha em seu projeto infantil para o Gloob, em seu filme natalino para Paramount e em um projeto para O2 filmes.
Instagram: @estevao.ribeiro