Manifesto

ROMPENDO LIMITES, OCUPANDO OS ESPAÇOS.

A história do audiovisual negro no Brasil é a história da luta contra a invisibilidade, exclusão, humilhação e descaso. É a luta em prol de dignidade, espaço e respeito. É a busca pela garantia equânime de acesso e permanência na formação pedagógica (escolar e profissional) e no mercado de trabalho. De tantos nãos, caras feias, desprezo e desconhecimento, o audiovisual negro resiste, persiste, rompe limites e ocupa espaços. 

Neste momento, damos um start em mais uma luta, que agora vai se dar também por meio das letras e imagens. Lançamos para a sociedade brasileira a primeira revista especializada em audiovisual negro no Brasil, a Revista APAN, cujo objetivo fundamental consiste na visibilidade dos nossos trabalhos, nossas ideias, nossas vozes. A Revista APAN veio pra ficar, tal qual o nome: Associação de Profissionais do Audiovisual Negro, que carrega a eminência quilombolesca dos nossos antepassados. Traz as raízes da luta, união, força e sobrevivência numa sociedade que persiste mantendo um racismo institucional e estrutural como aliados à manutenção do status quo. Hoje, com mais de 900 associades, somos o maior quilombo do audiovisual, quiçá da América Latina. É impossível retroceder! A APAN avança e, quanto maior o avanço, maior o constrangimento revelado pela sociedade que naturaliza e se silencia ante às práticas, pensamentos e contextos que ratificam a discriminação e a exclusão da população negra brasileira. A mudança precisa ser feita por todas, todos e todes que repudiam hábitos e tradições que remetem ao nosso passado escravocrata-colonial.

Sim, ainda há muito a fazer: somos 56,7% da população brasileira, 17% das pessoas mais ricas e ocupamos 4,7% das funções executivas nas grandes empresas no Brasil. No entanto, ocupamos os altos postos da violência e exclusão: somos 79% das vítimas causadas por ações policiais, 66,6% do total de vítimas de feminicídio, 60% que morrem durante o parto, temos 2,7 mais chances de morrer vítimas de homicídio no Brasil. O que falta para mudar? Não temos uma resposta única porque não depende exclusivamente de nós, mas temos a ideia e sensibilidade capazes de gerar mudanças expressivas na sociedade brasileira.

Provamos isso ao mostrar o quanto as políticas de cotas ajudam a reduzir o racismo institucional, o quanto a Lei do ensino da história da África e africanidade (Lei 10.639/03) vem garantindo a autoestima e identidade de estudantes negros e negras nas escolas. Indo além, o importante manifesto Dogma Feijoada fura o bloqueio para ter igualdade de representação de corpos pretos no cinema e na TV. E o que dizer dos nossos mais velhos, que inauguram o escopo filosófico da teoria social antirracista contemporânea, de Lélia Gonzalez, passando por Virgínia Bicudo, Carolina Maria de Jesus, Maria Odília Teixeira, Clovis Moura, Ivanir dos Santos, Abdias do Nascimento, Beatriz Nascimento, Kabengele Munanga, Sérgio Almeida, Conceição Evaristo e tantas e tantos outros? Nomes que reinventaram as páginas da história brasileira com muito suor, estudo, debate, escuta e escrita. 

Por todes que criaram a nossa história no Brasil por meio das letras que os saudamos; por todes que lutam no dia a dia em busca da sobrevivência que os referenciamos; por todes que sofrem pelas perdas, pelas humilhações sofridas pelos racismos estrutural e institucional que nos solidarizamos e combatemos; pelos trabalhadores do audiovisual, negras, negros e negres, apanienses ou não, nosso apoio no elo imagético que nos une. Somos audiovisual, somos negres e jamais desistiremos! Por isso, lançamos mais um impulso nesta luta: a Revista APAN.

Viemos lutando bravamente contra a invisibilidade do cinema negro diante ao mercado cinematográfico nacional. Há anos cineastas negras, negros e negres realizam seus filmes com baixo ou nenhum aporte financeiro governamental; ainda mais raro é conseguir apoio dos investidores – que apenas se comprometem com o lucro fácil e com a “velha panelinha” já estabelecida no cenário audiovisual. Ainda que nós, realizadores negres independentes, consigamos finalizar nossos filmes, sofremos barreiras monumentais para a distribuição e exibição dos mesmos.

É por esse motivo que criamos, para o ambiente virtual, a Revista APAN, da Associação de Profissionais do Audiovisual Negro, mais um instrumento que legitima e viabiliza ecos em campos áridos. A APAN nasce também neste terreno em prol da unidade dos trabalhadores do audiovisual negro no Brasil para ser uma organização que, de forma conjunta, defenda o nosso direito de fazer cinema, que, assustadoramente, não é garantido. A Associação também tem como base o fomento, valorização e divulgação de obras protagonizadas por artistas negras, e negros e negres. Nesse sentido, também se incorpora à luta em prol da democratização de oportunidades no mercado audiovisual, através das participações em audiências públicas, parcerias com instituições de ensino no cinema, bem como a publicização de ofertas de trabalho. 

Em função deste breve histórico, a APAN, que vem expandindo suas frentes de luta, ganha mais uma: a publicação da Revista APAN, revista eletrônica dividida em sete seções: escrita livre, artigos acadêmicos, ensaios, relatos de experiências, entrevistas, resenha crítica, galeria atendendo, dessa forma, uma demanda em prol da socialização das nossas vozes e experiências no mercado audiovisual, bem como a  divulgação de pesquisas e resenhas dos filmes nacionais e internacionais compostos por realizadores negras, negros e negres. 

Uma nova página, uma nova frente que visibiliza o nosso cinema, o nosso espaço e as nossas narrativas estão surgindo.

Sigamos na luta em prol da democratização e da igualdade racial e de gênero do nosso cinema nacional! Viva o audiovisual negro! Viva a Revista APAN!

compartilhe