Todesplay

entrevista

Uma revolução nas plataformas de streaming

por Rachel Aguiar e Rejane Neves

Fundada em 18 de outubro de 2020 e gerida por membres da APAN, a TodesPlay é uma plataforma global de filmes e séries que surge com a necessidade de ser um espaço diverso e identitário. Ademais, seus idealizadores visam gerar um fundo financeiro para sustentação de produções audiovisuais exclusivas. Apostando num local insurgente que preserve a memória, a cultura e a identidade do cinema negro. 

A Todesplay despontou a partir do GT de distribuição da APAN com Rafael Ferreira, que elaborava catálogos de filmes para ficarem disponíveis no site da Apan e que produtores pudessem entrar em contato com a instituição para exibir os conteúdos em cineclubes ou em outros lugares. Hoje a Todesplay é um espaço democrático onde pessoas acessam conteúdos de cineastas negres, filmes lbgtqiap+, indígenas, de mulheres brancas, PCDs. E ainda, a plataforma consiste em uma parte gratuita que abarca mostras, festivais e entrevistas com cineastas negres e a outra parte disponível para com catálogos fixos de conteúdo audiovisual.

Em oposição às plataformas como do Youtube e Vimeo, que faturam milhões com conteúdo independentes que acabam se perdendo num universo de produções, a Todesplay oferece uma parceria financeira com os produtores que ganham uma porcentagem com a quantidade de assinantes. Um dos maiores desafios da plataforma é atrair novos colaboradores para manutenção da plataforma e romper com o preconceito contra conteúdos independentes e diversos e, assim, aumentar o número de assinantes. 

Constituído no total de 4 colaboradores e administrado por Thaís Scabio (gestora de desenvolvimento de negócios da Todesplay), Rafael Ferreira (gerente de licenciamento e suporte na Todesplay), Ana Caroline (Analista de conteúdo e Produtora) e Uilton Oliveira (distribuidor da Todesplay e cineasta). Atualmente, a plataforma tem alguns filmes com opções em libras, áudio descrição e/ou legenda e português. Assim como, a facilidade de uso de um aplicativo que pode ser baixado direto do site ou por meio da Play Store para sistema Android. Nossa plataforma também oferece filmes da Colômbia e Portugal. 

Hoje, a Revista APAN entrevista Thais Scabio, paulista de 43 anos, idealizadora, cineasta e artista, educadora e cineclubista. Iniciou no audiovisual em oficinas culturais em 1999. Em 2003 se formou em Comunicação Social/Rádio e TV realizando seu primeiro curta como diretora “A melhor Face do Espelho”, onde ganhou menção honrosa de direção no Prêmio Plínio Marcos de Cultura e participou de diversos festivais. Em 2005 criou a Cavalo Marinho Audiovisual junto com seu parceiro Gilberto Caetano. Desde 2007 realiza formação audiovisual nas periferias de São Paulo. Atualmente também é vice-presidente da APAN, gestora de desenvolvimento de negócios da Todesplay e está em pré-produção de seu primeiro longa-metragem.

Penso que o futuro é de todes, kkkkk. Acredito que apesar de toda descontinuidade que tivemos nos avanços das políticas públicas de cultura e audiovisual em geral e também de ações afirmativas no federal, ainda sim estamos dentro das discussões. Acredito que o cinema negro teve um crescimento muito grande de qualidade técnica, porquê de histórias já temos faz tempo. Mas nos profissionalizamos mais e tenho certeza que vem muitas surpresas boas para o audiovisual negro brasileiro.

Revista Apan: A partir de qual momento, os membros da APAN pensaram ou planejaram o streaming Todes.play? Conte-nos um pouco a história da criação?

Thaís: Desde o início do GT de distribuição, tendo o Rafael Ferreira na frente, foi criado um catálogo com filmes de associades. Este catálogo ficava disponível no site da Apan e as pessoas entravam em contato para exibições em cineclubes e em outros espaços. Em torno de 2019, surgiu a proposta de criar um streaming que pudesse organizar esse catálogo para as pessoas terem acesso às nossas produções e que também fosse uma forma de retorno financeiro para realizadorxs.  Em 2020, com a pandemia, surgiu a necessidade de um local para a realização de mostras e festivais. O que trouxe uma potência à plataforma.

Revista Apan: Por que vocês sentiram necessidade de criar essa plataforma? 

THAÍS: Boa parte da produção negra está no YouTube. É uma plataforma muito aberta e não tem como objetivo só a exibição de filmes. Mas sim um local de entretenimentos e creators. Nossas produções se perdem no meio de tanto conteúdo e a plataforma ganha muito em cima disso e as pessoas têm pouco retorno financeiro. Precisávamos um local para organizar o catálogo formado na Apan, nossa memória, nossas produções em geral e ter um retorno financeiro.

Revista Apan: Quais foram as demandas iniciais para construir uma plataforma de distribuição e armazenamento de conteúdos? 

THAÍS: Toda a equipe é formada por cineastas e produtores. Fomos entendendo a distribuição. Também não conhecíamos a parte de tecnologia, licenciamento, armazenamento, segurança. O Rafael ainda entendia mais. Aprendemos sobre plugins, software livre, negociação. Tivemos uma consultoria externa durante três meses para conseguir fechar todo o formato que temos hoje.

Revista Apan: Quais foram os desafios que vocês tiveram na formação dessa plataforma? 

THAÍS: Aprender sobre tecnologia de armazenamentos de filmes. Sistema de segurança, estamos aprendendo até hoje. É algo bem complexo. É um plugin que leva outro plugin, kkkk. Difícil conversar com a pessoa de TI. É outra linguagem agora que estamos nos acostumando. 

Revista Apan: Quais são os seus desafios na atualidade na Todesplay? 

THAÍS: Completamos em outubro 2 anos de existência. Aprendemos muitas coisas nesse período. Incluímos acessibilidade, a todes educa, com as lives realizadas na Todesplay durantes os festivais e mostras. Criamos uma página somente para o público infantil, porque vimos que a procura era muito grande. Ainda temos o desafio de aumentar o número de assinantes. Temos atualmente quase 10 mil assinantes no Nhai. Ainda não conseguimos aumentar nossa equipe.

Revista Apan: Como vocês se organizam para dar conta das demandas da plataforma? Vocês se dividem como grupo de trabalho? Ou como função específica? Ou equipe? Quantas pessoas trabalham na plataforma hoje? Vocês têm apoio de pessoas de fora da associação? 

THAÍS: Somos apenas quatro pessoas na curadoria e organização da Todes. Além da pessoa de TI, da equipe de comunicação, designer, advocacia. É importante dizer que, desde o início, nossa equipe principal é formada por pessoas de quatro regiões: sudeste, norte, nordeste e centro-oeste. Isso traz uma diversidade no olhar das discussões da curadoria e na produção. 

Revista Apan: Vocês conseguem saber a quantidade de pessoas que acessam os filmes? E como essa “métrica” ajuda na melhoria da própria plataforma?

THAÍS: Sim. Conseguimos quantificar e analisar o perfil das pessoas. Nosso maior público são mulheres jovens adultas da região sudeste e nordeste. Com isso, vimos que tínhamos mais filmes com direção masculina do que feminina. Em julho aumentamos o catálogo com direção de mulheres. 

Revista Apan: Quais são os critérios para a curadoria dos filmes? Como vocês conseguem chegar ao produtor/diretor dos filmes? 

THAÍS: Como disse, temos uma curadoria diversa. Com equidade de gênero, diversidade na orientação sexual e região do Brasil. A primeira leva de filmes que entraram foi exatamente do catálogo que tínhamos do GT de distribuição da Apan. Depois disso, iniciamos com participação em algumas rodadas de negócio. Fazemos contatos com distribuidoras e Associades. Também ficamos de olho nos festivais e mostras que ocorrem na Todesplay e fora. Cada pessoa da curadoria faz uma lista de filmes que acredita ser interessante para entrar na Todesplay e traz para a curadoria. Concordamos que não podemos ter filmes que tragam discurso de ódio, homofóbico, machistas, nem racistas. Também levamos essa preocupação para os festivais e mostras que ocorrem na plataforma.

Revista Apan: Como os associades da APAN podem enviar seus filmes para a plataforma?

THAÍS: Só enviar um e-mail para producao@todesplay.com.br que encaminharemos para a curadoria avaliar.

Revista Apan: Em relação à estética e temática, qual o diferencial da Todes.play com outras plataformas?

THAÍS: Somos uma plataforma de conteúdo identitária. Também tem filmes lbgtqi+, indígenas, de mulheres brancas, PCDs, além das produções negras. A identidade da plataforma foi construída pelo Darwin Marin que se identifica com bicha preta cearense. A linguagem da Todesplay se inspira na linguagem pajubá [pajubá é um dialeto ou criptoleto da linguagem popular constituída da inserção em língua portuguesa de numerosas palavras e expressões provenientes de línguas africanas ocidentais, Muito usado pelos praticantes de religiões de matriz africana e também pela comunidade LGBTQIAP+]. Na parte gratuita temos Nhai (“oi” em pajubá). Também trazemos algumas palavras nas prateleiras em yorubá. É uma plataforma também que pensa no acesso com uma parte gratuita e com uma seleção especial. Tem alguns filmes que já tem libras, mas  atualmente estamos verificando a possibilidade de maior acessibilidade na plataforma já que é para todes. 

Revista Apan: Quais são os projetos para o futuro da plataforma? Como vocês esperam alcançar cada vez mais públicos?

THAÍS: Após incluímos a parte de acessibilidade, criação do aplicativo, as páginas especiais como a infantil e a todes educa, agora precisamos trazer filmes estrangeiros, Apesar de ainda faltar muito filme dentro do catálogo nacional.

Revista Apan: Quais suas projeções para o futuro? 

THAÍS: Penso que o futuro é de todes, kkkkk. Acredito que apesar de toda descontinuidade que tivemos nos avanços das políticas públicas de cultura e audiovisual em geral e também de ações afirmativas no federal, ainda sim estamos dentro das discussões. Acredito que o cinema negro teve um crescimento muito grande de qualidade técnica, porquê de histórias já temos faz tempo. Mas nos profissionalizamos mais e tenho certeza que vem muitas surpresas boas para o audiovisual negro brasileiro.

Revista APAN: Qual a importância da Todes.play para sua vida e o que você vem aprendendo/ou aprendeu a partir deste trabalho?
THAÍS: Tive que aprender outro lado do audiovisual que não tinha ideia de como funcionava. Aprender sobre negociação, licenciamento, plataforma, sobre TI e software. Outro mundo. Gosto muito de assistir aos filmes que chegam e discutirmos com a equipe de curadoria sobre eles. Pensar na proposta da Todesplay, a importância que trás para a representatividade. Esses dias teve uma amiga que trouxe a experiência do filho dela. Menino negro que conheceu o filme “Guerreiros da Rua” , do diretor pernambucano Erickson Marinho. Ele se identificou tanto com o filme que fez um livro, ele tem 10 anos. Eu não tive essas referências quando criança. Fico muito feliz de poder ser uma das pessoas que consegue organizar, um local como uma cinemateca virtual para guardar nossas histórias negres do audiovisual,  nossa identidade. Ser um local onde as pessoas LGBTQI possam se encontrar e encontrar histórias comuns. Aprendi muito com a equipe da Todesplay e com a APAN também de ver um Brasil muito maior do que eu conhecia.

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