Cinema Negro é Cinema Brasileiro

Continuando o diálogo que se apresentou na 4 edição do FIANB, o debate sobre circulação e distribuição é ampliado e se soma ao debate sobre produção de imagem. Tendo como ponto de partida a afirmação de que Cinema Negro é Cinema Brasileiro, nesta 5 edição indagamos a escritura de um cinema brasileiro que é fomentada pelas epistemologias negro-africanas.

No embate que se dá no Cinema Brasileiro atualmente, com a confecção de novas imagens, não é apenas a subjetivação que está comprometida com as negociações de outras e novas leituras de mundo, mas o próprio entendimento do que é a nação.

É o que propôs a antropóloga e intelectual Lélia Gonzalez ao conceitualizar a Améfrica Ladina. Para a autora, é necessário um novo olhar para as formações histórico-culturais do Brasil e América Latina, atentando-se para as contribuições africanas e indígenas para a consolidação de um país como o Brasil, como por exemplo, a língua que foi amplamente modificada por estas contribuições, uma vez que as influências das palavras no que viria a se formar o português – ou melhor, pretuguês – deram-se em um cruzamento de palavras de diversas etnias.

Para Gonzalez, 

Essas e muitas outras marcas que evidenciam a presença negra na construção cultural do continente americano me levaram a pensar a necessidade de elaboração de uma categoria que não se restringisse apenas no caso brasileiro e que, efetuando uma abordagem mais ampla, levasse em consideração as exigências da interdisciplinaridade. Desse modo, comecei a refletir sobre a categoria de amefricanidade. (GONZALEZ, 2020, p.129) 

A escravização que é marca da formação deste país pode ser verificada no nosso jeito de falar, para além de outras características culturais como o samba, a comida e a dimensão racializada que se expressa aqui. A marca desse período histórico é pouco visualizada na contribuição linguística, no entanto, é justamente nela que se pode ver a colaboração das culturas africanas no que hoje chamamos de Brasil. Para o povo bantu a letra L é inexistente, e é por isso que se fala “framengo”.  O erro aqui é herança. 

Cinema em Pretuguês, para além de um percurso pela história da formação do Brasil que está distante dos livros de gramática, mas perto das encruzilhadas do cotidiano, é um convite para pensar a narrativa nacional em teia – aquela que é construída por muitas vozes que se mostram através das frestas sociais.  Uma formação que só existe porque é feita a partir de outras relações. Como seria possível um cinema negro que se reinventa e reformula na linguagem, utilizando dos ditos populares para criar novas imagens? 

Kariny Martins e Tatiana Carvalho Costa. 

Programação

Este ano o evento conta com três momentos: começamos em Salvador no dia 5, a partir do dia 11 temos o MECCA online e do dia 21 ao dia 23, encerramos o nosso evento em São Paulo.

E se está curiose para saber o que vai rolar este ano, anota aí: vai ter oficinas de Filmagem com o telefone e de Mini-Docs Publicitários e Branded Content, masterclasses, sessão de filmes com convidados especiais, sessões internacionais, nacionais e infantis, e isso não é nem metade do que estamos preparando para vocês.

*Programação sujeita a alterações

Programação Salvador Programação Online – MECAA Programação São Paulo

Inscrições São Paulo

A 5ª edição do FIANB tem como tema Cinema em Pretuguês.

Participe das formações presenciais e on line do FIANB, a participação em qualquer uma dessas atividades garante certificado de participação como ouvinte.

Inscreva-se aqui

INSCRIÇÃO | Minicurso Filmagem com Celular com Nina Novaes – FIANB 2024/Salvador

O Minicurso de filmes para celular integra a programaçaõ do FIANB 2024 e é uma parceria com Telecine (LIBRAS) e consistem em uma aula pra jovens, focado em mulheres, que já fazem tiktok, mas para pensar essa criação para um pouco além, como criar histórias.

Nina Novaes é Baiana, Produtora Audiovisual e de Impacto. Faz parte do grupo fundador da TV Kirimurê – Primeiro canal da cidadania do país. Está no corpo dirigente da Mostra Lugar de Mulher é no Cinema, que já está em sua VII Edição. Atua também como diretora de produção do ANIMAI – Encontro baiano de animação e games. Atua como professora no Cine Arts – Escola de Cinema, e fez parte como técnica responsável na implementação da Itaparica Film Commission. Atualmente esta inserida em mais de 20 projetos em diversos formatos e estágios diferentes de produção e execução.

Dia 05/11 – 9h às 12h – Presencial
Local:  Instituto Audiovisual Mulheres de Odun – 
Avenida Aliomar Baleeiro, 15 – KM 10,5 – Fazenda Grande 4 – Salvador – BA

Vagas – 20 pessoas 

Resultado dia 04/11/2024

As pessoas selecionadas serão contatadas por e-mail
As pessoas participantes receberão certificado de participação

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Inscrição MECAA – ONLINE

Os encontros On-line do FIANB acontecerão no Google Meet, o link da vídeo-chamada será encaminhado por e-mail.

Programação On-Line

12/11 – 18h | MECCA – Oficina “Uma sobe e puxa a outra”: como inscrever minha empresa na ANCINE? Com Keyti Souza e Maurício Moraes

12/11 – 19h – Mesa – Políticas Culturais do Audiovisual Brasileiro com Joelma Gonzaga, Mediação Tatiana Carvalho Costa (30 vagas)

13/11 – 18h | MECAA – Mentoria Criativa com Kelly Castilho

13/11 – 19:30h | MECAA – O Brasil no FESPACO: O pioneirismo de Zózimo Bulbul e o Centro AfroCarioca de Cinema com Vânia Lima, Mediação Janaina Oliveira ReFem

14/11 – 18h | MECAA – Internacionalização do Audiovisual Negro – EUA e Nigéria (convidades a confirmar)

14/11 – 19:30h | MECAA – Plano de Negócios para Empresas Vocacionadas para o Audiovisual Negro com Rafael Nery – SEBRAE SP e Mediação Tatiana Carvalho Costa

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Mostra Cinema em Pretuguês

Curadoria: Jéssica Senra e Larissa Barbosa


Ponto de partida; Sessão Maturando o Tempo
Movimento; Sessão Memórias da Terra
Expansão; Sessão Vozes ao Vento

A Mostra Cinema em Pretuguês é conduzida por esses três eixos que constroem as sessões Maturando o Tempo, Memórias da Terra e Vozes ao Vento. Sempre partimos de algum lugar, e com isso trazemos no peito experiências do nosso território-guia. Movimentar e expandir é estar no mundo transformando e sendo transformado. É estar aqui e agora, girando o espiral do passado, e construindo futuros possíveis. É confluir em linguagens, modos e tradições. A língua sempre sustentou os saberes através do Tempo, desenhando mundos de origem essencial para fundar o que temos hoje enquanto Brasil.


O “Pretuguês”, termo cunhado por Lélia Gonzalez, refere-se ao processo de africanização da língua portuguesa no Brasil, que inclui o caráter rítmico e tonal das línguas africanas, além da ausência de certas consoantes (como “l” e “r”). O termo funda a Língua em resiliência do povo negro brasileiro, atrelado aos saberes espiralares em sua multiplicidade linguística, demarcando território e suas mais profundas raízes, que vão expandindo-se dia após dia através de novas confluências.

Um cinema em Pretuguês

Um cinema em Pretuguês, é um cinema que pensa o corpo negro brasileiro como agente de transformação da estrutura colonial de mundo vigente. É um cinema onde o corpo negro permeia todos os aspectos do fazer cinematográfico. Não tão somente em termos da história que está sendo contada, mas da linguagem, das
escolhas estéticas, narrativas, simbólicas e políticas. Acima de tudo é um cinema que pensa como as influências africanas e indígenas permeiam as experiências negras em diáspora no Brasil.

Esse fazer cinematográfico também está em diálogo direto com o pensamento de Tatiana Carvalho Costa (2021), que cunhou o termo “QuilomboCinema”, entendendo-o como uma prática que articula “processos agregadores e contra-coloniais que configuram um conjunto de ações empreendidas por pessoasnegras, compreendendo a presença dessas pessoas na realização, crítica,curadoria e pesquisa acadêmica”.

A mostra “Cinema em Pretuguês” narra o trânsito diário que formulam encontros entre fronteiras, junto à bagagem de saberes que compõem o ser brasileiro, mantendo a memória de um povo em constante pulsação, sendo caminho através do corpo-palavra, para perpetuar fundamentos vivos em nossa cultura.

Maturando o Tempo

A sessão Maturando o Tempo dialoga sobre territórios. Parafraseando “Performances do Tempo Espiralar” de Leda Maria Martins, a repetição de modos torna-se a origem do que temos enquanto cultura, através da transferência desses saberes, pela fala, música, dança, espiritualidade, comida… constituímos o que classificamos como a base cultural e memória de um povo.

Caminhando pelas palavras férteis de Leda, trouxemos como narrativas para compor o diálogo da sessão, “Orixás Center” de Mayara Ferrão que fabula através da cosmologia yorubana os arquétipos dos Orixás, representados em diversas paisagens que compõem a cidade de Salvador, traçando rotas visuais – sonoras entre a espiritualidade e o corpo negro. Em sequência “Pirenopolynda”, de Izzi Vitorio, Tita Maravilha e Bruno Victor, narra o encontro de três amigas que carregam consigo memórias afetivas de seu território, uma delas é a Festa do Divino. Ao revisitar tais memórias, Tita, decide reconstruir e re-tradicionalizar o festejo através de um olhar decolonial. Em “Ramal”, de Higor Gomes, retrata um grupo de jovens motociclistas que se encontram em um viaduto, entre as montanhas da periferia de Sabará (MG), buscando a liberdade e alívio da rotina diária de trabalho. No documentário “João de Una tem um Boi”, de Pablo Monteiro e Coletivo LAB+SLZ, retrata a “Morte do Boi de João de Una” , festejo tradicional que marca o calendário de obrigações da casa de Joseph Joan, carinhosamente conhecido como Pai Joan. Lugar onde caixas, tambores, radiolas, matracas e pandeiros se encontram em um só território.

Memórias da Terra

A sessão Memórias da Terra pensa o corpo negro em permanência e em migração. Em termos geopolíticos mas também em seu aspecto mais pessoal, enquanto migrante em si próprio. A condição de mover-se, estrutura novas rotas de fuga no tempo-espaço, seja por desejos ou imposições sociais, somos o chão que
habitamos e ele é vivo em cada lugar que escavamos com presença. O filme que abre a sessão, “Uma dança que seja minha”, de Paula Santos, nos propõe entrar em contato com todos os movimentos presentes em um corpo dançante que espera, em condições preparatórias a personagem nos conduz ao que antecede o espetáculo, à si mesma. Já em “Escavação” de Alex Reis, performa o corpo como ferramenta de escavação, utiliza a dança enquanto linguagem de improviso. Atravessando tempos, pensa na terra como elemento fundamental de conexão com a memória e a identidade afrobrasileira. Em “Cartas ao centro da terra” de Terra
Assunção e Renaya Dorea, duas jovens artistas compartilham suas experiências de vida no exterior entre questões como pertencimento, não-lugar e amizade. Já em “Cavaram uma cova no meu coração” de Ulisses Arthur, um outro tipo de migração forçada, contemporânea, faz com que um grupo de crianças e jovens recorra à inventividade para ressignificar o mundo. Já em “Não tem mar nessa cidade” de Manu Zilveti, um amor se finda quando a saudade da terra natal se torna grande demais para um deles.

Vozes ao Vento

A sessão Vozes ao Vento, se conecta com a obra “Um corpo no mundo” de Luedji Luna tornando-se compasso em nossas fabulações. A composição narra a viagem de uma mulher negra da América do Sul em busca de sua “sorte”, carregando consigo uma “mala de mão, dentro, uma oração”, reflexo este que dialoga entre muitas gerações de brasileiras(os) que sustentam sonhos e os avanços de seu berço regional, rompendo fronteiras estruturais para construir universos de possibilidades, onde a liberdade não é o limite, seja dentro de sua terra de origem ou fora, carregando tudo o que é essencial, a língua, o ritmo, sendo demarcador de sua origem. Abrimos a sessão com “Espelhos”, de Biarritzzz, que constrói experimentos visuais de uma viagem, a personagem em voz off atravessa dimensões em diferentes ambientes, na junção de partículas que a compõem. “Vigilant_Extended”, de Vitória Cribb, é uma ficção científica onde os “Vigilantes” vivem no ciberespaço, estão sempre observando, ouvindo e tentando se comunicar com os humanos. Em “Ará”, de Laryssa Machada, a artista descreve sobre gerações de sua família que reencontram-se entre-tempos abordando diálogos ausentes na presença. Já em “Dona Beatriz Ñsîmba Vita”, de Cata Preta, inspirado na história real de uma heroína congolesa, o filme é ambientado em Minas Gerais, conta a história de uma mulher determinada na missão de criar seu próprio povo através de clones de si mesma. No filme “Ginga Reggae”, de Nay Albuquerque, tem o reggae como língua rítmica do Maranhão, o documentário pauta o movimento como construtor identitário e político na região, embalando o compasso e formulando a linguagem através das confluências entre Maranhão e Jamaica.

Caminhando por todos esses universos, a curadoria propõe a expansão da língua como forma de permanência e resistência da memória de um povo multicultural. Língua falada, língua estética, língua ritmada, língua território, entre todas as nuances que compõem a identidade do real Brasil, a população afrobrasileira e indígena contribuiu historicamente para a formação e expansão do Pretuguês Brasil adentro. Aqui, traçamos uma fresta de possibilidades que o enaltecem, cultuando os territórios, mas também rompendo o lugar comum da imagem pré estabelecida do eu Brasileiro, englobando o Nós em seu extenso vocabulário.

Texto Curatorial por
Jéssica Senra e Larissa Barbosa

Assista na Todesplay

Você pode acompanhar a mostra Cinema em Pretuguês na Todesplay.

A mostra fica em cartaz de 11 a 24 de novembro. Aproveite!

veja na todesplay