Joana Claude de Moura Migeon¹
Resumo
O artigo tem como finalidade o olhar poético e filosófico sobre a produção de objetos como uma ferramenta útil para o fortalecimento da educação artística na sociedade. Com a análise de obras que tive oportunidade de fazer e o diálogo com outros profissionais do cinema, espero resgatar nos filmes a relevância cultural, ancestral e histórica da direção de arte. A partir dessas primeiras experiências, traço diálogos entre a arte e a educação para observar nesse processo uma metodologia como processo de cura social, como sugere a médica, psiquiatra e arte-terapeuta Nise da Silveira.
Palavras-chaves: produção de objetos, direção de arte, cinema, arte-educação, memória, cura.
- INTRODUÇÃO/COMEÇO
Do riso que, com sua leitura, perturba todas as familiaridades do pensamento – do nosso: daquele que tem nossa idade e nossa geografia –, abalando todas as superfícies ordenadas e todos os planos que tornam sensata para nós a profusão dos seres, fazendo vacilar e inquietando, por muito tempo, nossa prática milenar do Mesmo e do Outro. (FOUCAULT, 1992)
Para começar, proponho um olhar mais contemplativo sobre a obra audiovisual. Um olhar poético e sem pressa. Como se os frames fossem pinturas, onde atenciosamente depositamos nosso olhar, com tempo e inventividade. Aqui é possível pausar o filme para confabular as intenções de quem compõem os cenários. Do roteiro à arte composta dentro do imaginário e o realizável durante o processo de produção. Para pensar esse processo trago uma fala de Foucault (1992) presente no livro “As Palavras e As Coisas”. No capítulo “Las Meninas”, o filósofo faz uma análise do quadro de Velasquez afirmando que existem sempre 4 sujeitos na análise de uma obra: “o pintor, os personagens, os espectadores e as imagens” (p. 25). Neste artigo, para efeito de análise, proponho paralelos com o pintor sendo o produtor de objetos ou o somatório de profissionais – na direção de arte, realização, montagem, som – que participam da gestação de ideias e das decisões artísticas num filme; os personagens como os sujeitos da obra, condutores da narrativas, aqueles que nos apresentam o mundo proposto num projeto audiovisual; os espectadores como o público que assiste e participa como co-criador, contribuindo nas elaborações finais do sentido de uma obra para o coletivo social e seu arcabouço artístico; e as imagens/pinturas como os frames de filme. Neste artigo, usarei como exemplo projetos que pude colaborar artisticamente para elaboração de uma análise mais profunda sobre os potenciais educacionais que habitam no cinema com a produção de objetos na direção de arte.
Na mediação entre a arte-educação, resgato a curadoria como o processo artístico/filosófico pelo qual passam as eleições criativas da produção. Os profissionais, aqui, são vistos como zeladores, construtores da realidade proposta no cinema. No livro “Mundo como Vontade e Representação” (2007), Arthur Schopenhauer resgata um conceito de Kant chamado “sensibilidade pura”, onde cada síntese produzida pelo sujeito/pessoa/ser perpassa o filtro de tempo e espaço que ele está inserido. Esse entendimento, primeira impressão que temos de algo, é denominado por Schopenhauer como “uma intuição sobre o mundo real”.
Ao mesmo tempo que essa pesquisa tem como objetivo o evidenciamento do trabalho realizado pela produção de objetos, proponho um ponto de vista sobre esse campo adotando a perspectiva da curadoria. Neste artigo, observamos a produção de objetos como processo curatorial artístico. Em sua etimologia grega, curador vem da palavra curare: “cuidar de, cultivar, cuidar, podar e tentar ajudar as pessoas e seus contextos compartilhados a se desenvolver”². Tomando esse conceito, sugiro olharmos a produção de objetos e a curadoria como profissões que se utilizam das histórias e das lembranças de um povo/indivíduo para elaboração de símbolos, coleções e propostas artísticas.
Por meio do processo de formação dessas coleções, seja para um filme na produção de objetos, como na curadoria, para uma exposição, por exemplo, como resultado, temos uma seleção de ideias que levam em si a possibilidade de reflexão, questionamento, inquietação, diante do mundo. A partir deste fim, discutiremos também o papel do produtor como contribuinte na preservação da memória. Seja como agente, na composição dos cenários, como também na formação das informações contidas nos personagens e da narrativa.
Como metodologia escolhida, proponho a adoção da pesquisa-ação desenvolvida pelo professor Michel Thiollent. Esse método consiste na realização da pesquisa ação como “um espaço de interlocução onde os atores implicados participam na resolução dos problemas, com conhecimentos diferenciados, propondo soluções e aprendendo na ação.” (THIOLLENT; MICHEL, 2002, p. 4).
Desse modo, essa pesquisa tem como objetivo o esclarecimento desse métier aproximando-o de temas como curadoria, memória e arte-educação. O primeiro quanto ao processo. O segundo, quanto à matéria. O terceiro, como finalidade. Como produtora de objetos há mais de uma década, espero que esse artigo traga uma percepção mais detalhada sobre esse setor no cinema, bem como possa servir para o campo educacional, sobretudo como na educação artística como agente de transformação social.
¹Graduada em Jornalismo pela Universidade Católica de Pernambuco (2014) e em Publicidade e Propaganda na Universidade Federal de Pernambuco (2015).
²Definição trazida por Hans Ulrich Obrist (2014) no livro “Caminhos da Curadoria”.
- DESENVOLVIMENTO/ ENCONTRO
Como produção de objetos se entende o departamento responsável, dentro da direção de arte, em planejar, criar, sugerir, inventar, obter e compor com, objetos/props³, os cenários numa obra cinematográfica. Como define Rose Lagacé (s.d.) em seu artigo para o site Art Departmental (2009), o set decorator ou set dresser (nomenclatura utilizada em inglês) é o profissional que visualmente interpreta a personalidade de um roteiro para filme ou um produto para televisão⁴.
Já na França, o produtor de objetos que será chamado de décorateur ensemblier ou ensemblier/ensemblière é considerado
[…] um artista que cria e gerencia um conjunto decorativo de móveis, tecidos, papéis de parede, mas também objetos mais diversos como o papel e a caneta colocados numa mesa de escritório, objetos nos bolsos deixados na entrada de casa, até a ponta do cigarro deixado num cinzeiro. O produtor de objetos não constrói uma decoração, ele harmoniza⁵.
No Brasil, a produção de objetos ou produção de arte (termo utilizado no Rio de Janeiro, pois em outras localidades no Brasil, a nomenclatura possui distinta função) é o departamento dentro da direção de arte responsável pelo garimpo dos objetos necessários para uma obra audiovisual. As escolhas estéticas são guiadas pelo diretor de arte, mas o resultado é fruto da soma entre objetos disponíveis, os objetos fabricados e a vivência dada por cada produtor.
No departamento de arte, trabalhei em mais de 40 obras audiovisuais desde 2012, como curtas, longa-metragens e séries para televisão para filmes comerciais e independentes. Segundo o tempo, o local de produção e orçamento de cada proposta, as condições e possibilidades de produção são ampliadas ou reduzidas. Por exemplo, um projeto realizado no eixo Rio-São Paulo, onde existe uma maior concentração de capital e estruturação técnica, de equipamentos e acervos, oferece uma condição laboral ímpar às produções realizadas em Pernambuco, onde normalmente a realidade de produção envolve um maior malabarismo para o encontro dos objetos desejados. Para o garimpo de objetos são levantadas opções que vão desde o acervo pessoal a empréstimo de amigos/conhecidos/simpatizantes do cinema, acervos, brechós, bazares de igreja, OLX, Mercado Livre e pesquisas nas redes sociais. Quanto mais limitadas as capacidades de produção, maior a necessidade da inventividade e a negociação do produtor para encontro dos objetos que irão casar com cada projeto artístico.
Nesse processo, o encontro com os objetos muitas vezes se dá a partir do que está disponível no cotidiano. Objetos que foram descartados, outros que estão sendo vendidos e repassados em sites. Nesse espaço de encontro e pesquisa dos objetos “ideais” para cada proposta artística, habita o caráter educacional no processo de seleção e escolha dos objetos. Obviamente, produções maiores, comerciais, têm maior facilidade de encontrar os objetos semelhantes às referências trazidas pelo diretor de arte/diretor, por contarem com maior investimento e estrutura de trabalho.
Para além dos blocos maiores de objetos que compõem os cenários, há mais duas categorias de objetos, que em minha opinião, expressam ainda de forma mais íntima as intenções artísticas de um projeto: o dressing fino e os props. O primeiro consiste, para além do arranjo entre os objetos maiores que compõem o set, os objetos menores deixados como rastros da (con)vivência entre os personagens e o espaço cênico: um carregador de celular que poderia ter sido deixado pelo personagem, um post-it deixado com algum recado ou algumas sacolas compras com acúmulos e “baguncinhas” que encontramos em casa.
Já os props são os objetos manuseados pelos personagens. São objetos que indicam, de forma mais íntima, o gosto ou características das pessoas que povoam os filmes. Um celular, um computador, uma carteira, uma mala de viagem. Para além do objeto em si, também faz parte do ofício do produtor, pensar para além do objeto “cru” e adicionar personalidade. Ou seja, se eu tenho uma carteira, por exemplo, traz além do que se espera de forma mais direta encontrar nela, como também evidências pessoais do personagem, como fotos, um bilhete deixado por alguém, um santinho de algum santo/orixá devoto.
No curta-metragem “Último Domingo” (2022), onde trabalhei como diretora de arte e diretora juntamente com o realizador Renan Brandão, foi realizado durante quase dois meses um estudo sobre a temporalidade do filme livremente inspirado no “Evangelho Segundo Jesus Cristo”. Nele, recriamos a história de Maria ao descobrir que está grávida de Jesus. Como esse projeto era situado na antiguidade, por exemplo, se optou pela criação de uma arte apenas com objetos feitos de matéria primitiva, mais bruta, como a madeira, a palha, o barro e, em objetos pontuais, o ferro e o vidro.
A relevância desses caminhos propostos pela arte está na possibilidade de transmitir novas perspectivas para a sociedade. Pensando na função do produtor de objetos, como um profissional que garimpa, organiza e elabora uma proposta artística para cinema, a partir de memórias selecionadas de uma intenção artística, comecei a observar semelhanças entre esse trabalho e o papel do curador. Hans Ulrich Obrist (2014) define a curadoria como:
[…] uma tarefa de fazer conexões e permitir que diferentes elementos se toquem. Você pode descrevê-lo como uma tentativa de polinização da cultura ou uma forma de mapeamento que abre novas rotas por uma cidade, um povo ou um mundo. (p. 35)
Ao montar uma coleção, fazer associações entre objetos, investigar possibilidades, justapor e chegar num resultado dessas conexões, tanto o curador como o produtor de objetos são colaboradores na produção de conhecimento social. Considero dessa forma que o produtor de objetos pode contribuir com a formação socioeducacional da sociedade ao estabelecer diálogos entre os objetos selecionados para um filme ou exposição, por exemplo. Através dessas escolhas, o produtor também evoca a memória do espectador sobre o elemento eleito para compor uma narrativa. A memória, como define Maurice Halbwachs (1990) no livro “A Memória Coletiva”, é “algo que está, necessariamente ligado, apoiado num grupo social, e, portanto, inscreve-se como fenômeno coletivo” (p. 8).
Para falar do imaginário coletivo possível criado através dos filmes, trago o exemplo do curta-metragem “Inabitável” (2020), de Enock Carvalho e Matheus Farias. Nele, acompanhamos a busca de Marilene pela filha desaparecida, Roberta. Nessa busca, a mãe acaba por encontrar um objeto que permite a comunicação dela com a filha fora da terra. Para criação desse prop, foram feitos alguns estudos meses antes da rodagem para conseguir entender como ele poderia ser criado de forma “orgânica” e que não destoasse, como ruído, na narrativa. Um objeto telecomunicador crível na realidade do filme. Para que, apesar da originalidade do objeto inventado para o filme, ele pudesse ser visto pelo público como algo realístico na narrativa. A seguir, temos uma cena do filme, na qual aparece o telecomunicador pela primeira vez na trama nas mãos da personagem ao centro:
Frame com prop do filme “Inabitável” (2020)
Através do direcionamento das escolhas da direção de arte, como na preferência de cores, uma teia de informações vai se somando para desaguar nas sensações que posteriormente o filme irá transmitir ao público. O historiador Michel Pastereau (2015), por exemplo, vai falar no livro “La couleurs de nos souvenirs” sobre situações vividas na infância para falar da importância das cores como objeto de estudo para a memória. Em como as cores são indícios fortes para composição de um imaginário coletivo, por exemplo: “o imaginário e a realidade não se anulam: elas não são nem contrárias, nem adversárias, mas constituem nelas mesmas uma realidade – diferente, fertil, melancólica e cheia de lembranças”⁶.
Assim como a produção de objetos, a curadoria, como traz a museóloga Kate Fowle, exerce um trabalho que se propõe o olhar imersivo. O trecho a seguir foi retirado do artigo que faz parte do capítulo “A curadoria como forma de arte”, de Paulo Sérgio Duarte, no livro “Arte de expor: curadoria como expoesis” de Sonia Marta de Carvalho Salcedo Del Castillo (2015):
Se tivesse que ilustrar o trabalho de um curador, desenharia um iceberg. A exposição seria a parte que se vê acima da água e toda pesquisa e engajamento que se produz seria o que está escondido debaixo da superfície.
A historiadora recifense Cristiana Tejo (apud RAMOS, 2010), por exemplo, defende a ideia de que “não se nasce curador, torna-se”⁷. Ao ler o capítulo escrito pela autora no livro “Sobre o ofício do curador” encontrei várias semelhanças no meu processo de formação como produtora de objetos. Sem uma formação acadêmica na área de cinema, meu processo de amadurecimento se deu através das experiências cultivadas nos 12 anos de trabalho com audiovisual. Todo meu processo artístico foi constituído através da experiência prática com o cinema. A bagagem imagética e o meu potencial de composição foi se refinando através do tempo e com o entendimento gradativo das minhas colaborações como artista. Eu não nasci como produtora, mas me tornei durante o processo de educação artística que vivi na experiência do meu trabalho com cinema.
É seguindo esse pensamento que vejo a produção de objetos no cinema como uma ferramenta rica de possibilidades para a arte-educação. Ao propor que vejamos com mais tempo e minúcia a composição dos filmes, por meio da análise de obras audiovisuais e o convite para que profissionais da área participem de rodas de conversas em escolas e espaços educacionais, que penso na facilitação desse acesso mais profundo sobre os conteúdos expostos nos filmes.
Infelizmente, pela forma como os editais públicos para fomento do cinema são realizados, ainda há um privilégio partilhado entre uma elite, majoritariamente branca e masculina, na aprovação de projetos, mas esse realidade tem se alterado nos últimos anos, na tentativa de reparar um erro histórico e devolver a possibilidade de fazer cinema para novos realizadores e artistas. Com isso, gostaria de dizer que a possibilidade da educação artística através de obras audiovisuais é uma forma de estímulo para que mais pessoas possam se ver como agentes dessa história.
Para a educadora Ana Mae Barbosa (1991), “Não se conhece um país sem conhecer a sua história e a sua arte” (p. 8). Ou seja, o estudo sobre a produção de objetos, a direção de arte e o cinema é um caminho para que mais pessoas tenham mais acesso ao conhecimento sobre a arte. Com ele, é possível tomar posse dessa história, privilegiando cada vez mais a presença de histórias mais diversas (como tem ocorrido nos últimos anos) e um entendimento mais representativo do que entendemos como Brasil.
Assim como o trabalho realizado pela produtora Filmes de Plástico, em Contagem (MG), onde os filmes são frutos da realidade local periférica vividas por seus fundadores (Gabriel Martins, André Novaes, Maurilio e Thiago Macedo), em que a história deles, dos vizinhos e amigos são matéria-prima para criação de obras como “Temporada” e “No Coração do Mundo”, imagino que podemos tomar esse registro como uma forma bem sucedida do que o cinema pode devolver para as pessoas que nunca se imaginaram ocupando o espaço artístico. Ao chamá-las para perto, provocá-las através da arte e oferecer um espaço de protagonismo na retratação de problemas locais, por exemplo, a estrutura hierárquica do cinema se horizontaliza, tornando-se mais democrática através da repartição de um conhecimento, em sua origem, limitado a um grupo menor.
Nesse processo de partilha, habita a possibilidade da educação artística. Para Paulo Freire (1968), o sentido mais exato da alfabetização é “aprender a escrever a sua vida como autor e como testemunha de sua história, isto é, biografar-se, existenciar-se, historicizar-se”. Ou seja, é dando destaque a projetos que agrupem e atuem na partilha do conhecimento cinematográfico, que é possível uma pluralidade gradativa do fazer cinema. Dos problemas e das realidades expostas. Das memórias que são resgatadas e viram narrativas. Dos referenciais artísticos que inspiram a direção de arte e a produção de objetos no encontro da proposta criativa para os filmes.
Acredito que com a arte e a educação possamos encontrar caminhos para a exposição e o tratamento de questões sociais ainda por resolver. A exemplo, resgato um trecho da entrevista cedida por Nise da Silveira (1987), psiquiatra e arteterapeuta alagoense, ao Estado de S.Paulo. Nela, a profissional irá falar do caso de Raphael, um paciente diagnosticado com hebefrênica (um caso mais grave de esquizofrenia) aos 16 anos. Aos 19, ele vai ser internado e, na terapia ocupacional, estimulado à pintura. Anos depois, seu trabalho será admirado por críticos, como Mário Pedrosa. Aqui, Nise traz o caso de Raphael para explicar o que chama de “embotamento da afetividade”. Através do cuidado, do olhar atento, do acompanhamento médico, da sensibilização através da arte, é possível contaminar positivamente o paciente e gerar melhorias no seu quadro clínico. A educação artística permite esse processo.
Nise (1987) irá dizer na mesma entrevista que talvez “os pacientes não se curem, mas mudam enormemente e isso reflete na compreensão que se há da psiquiatria tradicional”. A pintura, por exemplo, permite que os pacientes expressem e tratem traumas. É através da arteterapia que ela exerce a educação dos pacientes que chegam até ela. Por isso, minha urgência e a vontade de poder entender o cinema como propulsor nesse processo dentro da arte-educação.
Por último, Nise (1987) também trará em sua fala que o mundo contemporâneo é impaciente. A pintura nesse contexto, e eu diria a arte, é efetiva pois “traz retratos do mundo interno do autor, como se fosse possível ver através de frestas o que estava acontecendo dentro da cabeça do doente, coisa impossível com a palavra”. É em posse desses conhecimentos e tendo em vista a potência deles como força de mudança num contexto social, que imagino possível a comunhão deles num propósito semelhante que é cuidar e zelar por melhorias a todos os indivíduos. Com e através da arte-educação. É através desse ideal e do diálogo entre as partes, do amor como ética de vida, como sugere bell hooks, em seus contextos mais plurais, que a longo prazo será possível prezar por uma vida mais digna para o coletivo.
³Props é o termo utilizado para se referir aos objetos que se encontram na ação descrita no roteiro, ou objetos pessoais da personagem. Já por objetos, de modo geral, fala-se dos objetos normalmente maiores que compõem os cenários, como mobília.
⁴Trecho original: “A Set Decorator visually interprets the personality of a film or television show from script to screen through set decor. Set Decorators carefully decipher the psychology and taste of the characters which allow them to select, procure, fabricate, layer, mix, and match furniture, curtains, carpets, artwork, wallpaper, and other items that may denote character and/or plot while they also factor in the schedule and other practical considerations like stunts and visual effects, for example.”.
⁵Texto original: “Le décorateur ensemblier, plus communément appelé ensemblier (ou ensemblière), est l’artiste qui crée et agence des ensembles décoratifs d’intérieur : mobilier, tissus, papiers peints, mais aussi les objets les plus divers tels que le papier et le stylo posés sur le bureau, le vide-poche dans l’entrée, jusqu’au cendrier avec le mégot. Il ne construit pas un décor, il l’harmonise.”.
⁶Trecho do livro “La couleurs de nos souvenirs”, de Michel Pastereau (p.13): “Quant à l’imaginaire, il ne s’oppose nullement à la réalité: il n’en est ni le contraire ni l’adversaire, mas constitue lui aussi une réalité – une réalité différente, fertile, mélancolique, complice de tous nos souvenirs”.
⁷Texto contido no livro “Sobre o ofício do curador”, organizado por Alexandre Dias Ramos (p. 149).
- CONSIDERAÇÕES FINAIS
É pensando na escassez do sensível, o pouco espaço que dedicamos cotidianamente à arte, ao intuitivo, à imaginação, à reinvenção, aos nossos erês, que desejo com este artigo propor caminhos paralelos entre o cinema e a arte-educação. Através da criação de filmes, da análise deles e do olhar contemplativo sobre essas obras audiovisuais – entendendo sua finalidade comercial ou independente e por isso seu comprometimento/heranças para a sociedade –, acredito que todo indivíduo, aberto a uma educação artística, pode colaborar não só como aluno, mas a longo prazo como, potencial facilitador através do diálogo nos grupos sociais pertencentes a cada um.
Analisando as possibilidades que habitam a produção de objetos/arte, a curadoria e a educação, é possível enxergar um terreno fértil para a educação artística através da análise de obras audiovisuais nas escolas e universidades. Com o aprofundamento sobre esse trabalho – através da observação dessa curadoria de objetos selecionados, por exemplo – é possível sonhar com um caminho de conduta mais sensível e amorosa.
Acredito que através da arte e com a educação é possível, a longo prazo, pensarmos em espaços onde o diálogo e o amor estejam mais presentes. Através deles e, por meio da curadoria de memórias, estima-se um processo de cuidado emocional do outro. Nele, a arte, o cinema e a produção de objetos são ferramentas motrizes nesse processo. No texto escrito por Silvane Silva, em “Tudo sobre Amor”, de Bell Hooks (2021), a autora traz o amor como matéria motriz para uma transformação social. Vejo a arte como uma porta para esse acesso sensível ao afeto. Como produtora de objetos e utilizando da sensibilidade para criação dos imaginários fílmicos, penso que através da partilha dessas experiências audiovisuais, é possível considerar a arte-educação como um processo de cura social ao pensarmos no afeto como uma ética de vida e a escola como o meio que fomenta essa libertação do indivíduo.
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por Joana Claude
Nascida em Clermont-Ferrand (1992), Joana Claude vive há 24 anos no Brasil, país no qual construiu carreira dentro da direção de arte. Em 12 anos de trabalho, ela contribuiu em mais de 40 produções, como Aquarius (2016), Paloma (2022) e Cangaço Novo (2023). Como realizadora, fez o primeiro curta-metragem “Una Plaza en Cuba” durante os estudos sobre documentário na EICTV (2018). Desde então, dirigiu mais dois curtas – “Último Domingo” – que teve estreia nacional no Festival de Cinema de Gramado (2022), tendo percorrido mais de 15 outros festivais como o de Biarritz, Tiradentes e o Cine-Ceará, e “Descarrego”, um curta documentário que tem estreia mundial no Festival de Dok Leipzig em Outubro de 2023.