Ancestralidade Afrosergipana: Explorando Afeto e Memória Através de um Ensaio Meta-Fotográfico

[SEÇÃO LIVRE]

RESUMO

O presente artigo, de Luciano Freitas, apresenta, de forma resumida, o processo de produção de um ensaio fotográfico,  explorando metalinguagem, ancestralidade e oralidade, a partir de um recorte de gênero articulado à  realidade da comunidade afrodescendente em Sergipe. O referido ensaio, produzido de forma  colaborativa com homens e mulheres engajadas nas artes na cultura e na luta antirracista, da capital de  Sergipe, Aracaju, foi planejado para ser exposto em forma de varal fotográfico itinerante.

Em julho de 2018 realizei “Revisitação”, um documentário independente em vídeo  sobre o ator, escritor e dramaturgo afrosergipano Severo D’Acelino, retratando um pouco  da sua trajetória de décadas como militante antirracista, além de depoimentos diversos  sobre sua produção literária. Durante o período de produção, passei a frequentar a sua  residência, localizada em um bairro próximo ao centro de Aracaju, capital do estado de  Sergipe, onde este mantém a Casa de Cultura Afro Sergipana (CCAS), fundada e  coordenada por ele, e onde também redige os livros publicados por sua editora, a MemoriAfro. Certa ocasião, percebi uma foto preto e branco de sua mãe, Dona Odília – ampliada a partir de uma 3×4, emoldurada e montada sobre um espelho. A imagem fica  pendurada sobre o acesso aos seus aposentos. Naquele momento me surgiu a ideia de fazer uma espécie de “meta-retrato”, e sugeri à dançarina e produtora cultural Aline  Villaça que fizéssemos uma imagem que “falasse”, ao mesmo tempo, de identidade e  ancestralidade. Ela aceitou a proposta, mas passado algum tempo, mudou-se de Sergipe,  sem que surgisse a oportunidade de realizar a foto. Resolvi então levar a experiência  adiante com o próprio Severo. Ficamos muito satisfeitos com o resultado e então  conversamos sobre a possibilidade de ampliar a ideia para um ensaio fotográfico, com  o propósito de posteriormente editar um fotolivro a ser publicado pela MemoriAfro.  

O ensaio foi produzido entre setembro e dezembro de 2019 e reúne imagens e relatos  de 12 pessoas, 6 mulheres e 6 homens (incluindo o autor) de diferentes idades e  profissões, mas todas engajadas – de uma forma ou de outra – na luta por uma sociedade  mais humana, justa e igualitária. As pessoas foram convidadas a partir de indicações do  próprio Severo, ao lado de outras com quem já colaborei pessoalmente, ou acompanho com admiração suas atividades em diversas frentes. Com exceção do autor, todos  residiam, à época dos retratos, em Aracaju. A partir da pergunta que inicialmente propus  a Aline Villaça – “Você tem uma foto de sua mãe?” – a proposta foi expandida para  qualquer “ancestral direta”: mãe, avó, bisavó, etc. Eu buscava a presença das “matriarcas  negras”… Cada uma deveria também oferecer um breve relato sobre a pessoa escolhida,  o que considero fundamental para expôr a essência destas matriarcas, suas marcas  indeléveis impressas sobre o espírito de seus descendentes, e que a imagem apenas não  é capaz de revelar. Ao longo do processo fui me dando conta que havia adentrado um terreno fértil e acolhedor, e que o trabalho transitava entre subjetividade e coletividade,  já que as narrativas possuem ao mesmo tempo características singulares e comuns,  principalmente no tocante às vivências da população afrodescendente em nosso País. 

Percebi, também, que aquelas imagens impressas em papel, emolduradas ou não,  haviam assumido um status de “relíquia”, objeto de zelo cuidadoso por quem as havia  escolhido e apresentado. Muitas vezes a imagem, de tão especial e singular, havia sido  delegada por toda a família àquela pessoa, a fim de ser preservada. Em um caso extremo,  a única fotografia existente estava em vias de desaparecer e precisou ser transformada  em pintura. Em outro caso singular, a pessoa retratada sequer havia conhecido  pessoalmente a matriarca escolhida, sua avó, sendo possível saber dela apenas através  deste único retrato fotográfico e dos frequentes relatos dos demais parentes. Havendo  crescido em uma família de operários, e habituado desde sempre com a posse de uma  câmera fotográfica e à produção constante de imagens domésticas, não me dei conta de  que representávamos uma exceção, mesmo em pleno séc. XX. Apesar da popularização  da fotografia, ainda demorou muito para que parte da população negra do Brasil tivesse  pleno acesso ao meio, o que por vezes torna cada foto de um ente querido tão valiosa  quanto um diamante, como descrito pelo ensaísta alemão Walter Benjamin em seu texto  “Pequena história da fotografia” – publicado pela primeira vez em 1931 – a respeito dos  primórdios desta técnica:

Os clichês de Daguerre eram placas de prata, iodadas e expostas na câmera obscura; elas precisavam ser manipuladas em vários sentidos, até que se pudesse reconhecer, sob uma luz favorável, uma imagem cinza-pálida. Eram peças únicas; em média, o preço de uma placa, em 1839, era de 25 francos ouro. Não raro, eram guardadas em estojos, como joias (BENJAMIN, 1985, p. 92).

Por muito tempo o acesso à produção de memória visual foi possível apenas a pessoas  abastadas, a um círculo restrito de profissionais que a exploravam comercialmente, ou  aos que se apropriaram da técnica como recurso para investigações etnográficas ou  antropológicas, o que traz à tona a problemática do olhar que transforma o outro em  “exótico” – ou em mero objeto – passível de (ab)usos mistificadores e preconceituosos,  disfarçados sob o manto de um discurso dito “científico”. Daí a importância do trabalho  de fotógrafos afrodescendentes em nosso País, como o do carioca Ierê Ferreira, que  registra há décadas expoentes da cultura e das artes no Rio de Janeiro, ou do fotógrafo baiano Lázaro Roberto, que mantém um museu independente preocupado em manter  viva a memória afrodescendente da capital mais negra do Brasil. Aproveito para  mencionar também o trabalho experimental do mineiro Eustáquio Neves, que escava  suas memórias pessoais e acaba expondo, em imagens questionadoras, a dolorosa  memória do grande desastre da escravidão, cujos ecos ainda ressoam em nossas  estruturas sociais e econômicas. Ao lado de outros jovens nomes da fotografia, fazem  parte de uma linha de frente que leva a frase “É tempo de falarmos de nós mesmos!”, da  ativista afrosergipana Beatriz Nascimento, ao disputado terreno da produção de  imagens.

Leia, abaixo, os relatos dos/as participantes. Você também pode ouvir os relatos através de vídeos – slideshow – narrados pelos filhos do autor, Nathanael e Anna Clara. É só apontar para os QR Codes.

Minha rainha in terras de Serigy. Minha mãe Odília. Nossa Majestade!!!

Minha mãe era doméstica. Ela fazia doces e, depois, colocou o acarajé também, porque minha avó era quem fazia acarajé e vendia no mercado, e anos depois minha mãe associou o acarajé também, incluiu o acarajé no tabuleiro dela.
Minha mãe era de Riachuelo, mais alta do que meu pai, pouca coisa. Logo, logo, meus pais se separaram, eles brigaram, e
meu pai foi pra Santa Rosa e minha mãe ficou aqui em Aracaju, tomando conta da família, quer dizer “A matriarca”, né?

(Severo D’Acelino, filho de Dona Odília Eliza da Conceição)

DOMINGAS…

D ecidida e prática
O rdeira e exigente
M inha mãe foi assim mesmo
I gnorante, mas competente!
N ão gostava de “finuras”
G ostava sim, de sinceridade
A vida para ela foi dura
S ó viveu para nos dar felicidades
Eu sou fruto de mulher
Guerreira e muito honesta
Ela criou os seus filhos
Para ser gente que presta
Nos educou com firmeza
Mesmo com vida modesta.
Minha maior referência
Vem da mamãe, vou falar
Ela me ensinou a ler
A escrever, também contar
E mostrou que a leitura
Nos faz sorrir e chorar.

(Alaíde Souza, filha de Dona Domingas Souza)

Lembro de ela tá pisando o café no pilão

e eu acompanhando o movimento. Ela avisa pra me afastar. Eu persisto. O pilão escapa da mão dela e lasca meu nariz. Um lençol de sangue foi pintado nesse dia. Ela carinhosamente me colocou de cabeça pra baixo a queimou tufos de algodão para eu inalar e assim estancar o sangramento.
Matriarca extremamente carinhosa. Batalhadora. Criou 9 filhos sozinha. Alegre. Forrozeira. E muito querida na comarca de Itapipoca. Amava ver ela fazendo o algodão no fuso.

(Jan de Lonan, neto de Dona Maria Seleste de Lima)

Minha mãe me deu um universo pra morar.

São muitas as referências. Umas apoiadas em materialidades. Outras tão abstratas que nem consigo descrever em imagens. Nesse universo moram Tina Turner e Janes Joplin, que ressoavam na casa durante toda a minha infância. Moram as idas para almoçar no Texano depois da escola, idas ao Gosto Gostoso, idas ao terreiro quando passava dias com minha vó Nita, sua mãe. Nesse universo, meu, também moram minhas iniciações à escrita, que ela incentivou em nossa convivência – escritas que hoje são meu ofício e meu ócio.
Um universo que, com essas imagens e com os sentimentos que não sei descrever, mora dentro de mim e ao qual recorro para estar em paz – seja quando fora é guerra ou é amor.
Obviamente, a construção disso tudo não veio apenas permeada de tranquilidade. Assim como a relação de muitas mulheres, a nossa foi construída em meio a opressões, que sofremos e reproduzimos. Mas, o que fica, cada vez mais ao longo do tempo, do meu tempo de vida até aqui, é a força do mundo ideal, positivo, que ela exprimia em palavras e gestos no dia a dia, e que, aos poucos, lapido positivamente e me entranho mais. Minha mãe me legou uma dimensão poética e política da qual não abro mão. E que é parte do que lego também ao meu filho, mimetizando um ambiente de verdades – com contradições e revelações – no qual ambas as dimensões, poética e política, estão. Enfim, o que minha mãe me deu foi um universo pra morar, onde remexo, renovo e reconstruo o que sou sem me perder.

(Aline Braga, filha de Dona Marilene Braga Farias de Souza)

Simplesmente Zizi.

D. Zizi, nascida em São José da Caatinga, Japaratuba, Sergipe, em 1923, era mulher incomum, pois, antes da década de setenta, raramente as mulheres casadas trabalhavam fora de casa, salvo como doméstica das famílias abastadas ou em serviços similares. D. Zizi era a líder na família e agregava em torno dela pessoas do local onde morava, dado o carisma que possuía. Tinha espírito empreendedor e, praticamente, o progresso social e econômico da família decorreram das suas inciativas. Seu Marido, Júlio, nascido no mesmo povoado, reconhecia nela estas características. Assim foi quando decidiu sair do local de nascimento e ir para Maruim e depois para a capital, Aracaju, levando a família. Dentre as atividades que desenvolveu como figura popular bastante conhecida na comunidade em que passou grande parte do seu tempo, região entre o bairro Dezoito do Forte e Santos Dumont, foram de feirante e, por pouco tempo, organizadora de passeios, comum numa época em que se fretava ônibus para se ir às praias locais. A atividade de doceira certamente foi marcante. Todas as guloseimas conhecidas em Sergipe, feitas a base de milho e mandioca ela dominava as receitas. O pé-de-moleque se constituiu na sua marca registrada, tamanho o capricho, tanto no sentido gustativo, quanto estético. O biótipo de D. Zizi estava perfeitamente inserido no caldeirão étnico brasileiro. A partir do seu irmão único, podia-se ter ideia de que o seu pai era um típico cafuzo: reunião de traços de indivíduos originários brasileiros e africanos. Sua mãe, uma mulher de pele, olhos e cabelos claros guardava todas as características dos diversos povos europeus que ocuparam a península ibérica. Segundo depoimentos de parentes, o relacionamento entre os pais de D. Zizi não era aceito, sob o argumento de ele ser um homem estrangeiro, saveirista baiano, e que não passava muito tempo fixo em um local. Na verdade, a cor da pele era o real e principal motivo. D. Zizi perdeu os pais logo cedo, quanto tinha em torno de 5 anos. Foi criada pela tia de nome Maricas. Casou-se com Júlio da Cruz, com quem teve sete filhos, sendo cinco mulheres e dois homens. O artista visual Antônio da Cruz é o mais velho dos dois.

(Antônio da Cruz, filho de Dona Maria Siqueira Santos)

Minha avó ficou viúva, aos 35 anos, com 10 filhos.

Minha avó morava numa fazenda no Castanhal, no Siriri, e meu avô trabalhava no carro-de-boi. Ele sempre falava que nunca queria esse ofício para os filhos. Então, quando ele faleceu, a minha avó veio pra Aracaju. Uma pessoa alugou um quartinho pra ela. Imagine: 35 anos, viúva, morando num quartinho com dez filhos! Antigamente tinha esse negócio de dar o filho pra alguém criar, né? E muitas pessoas quiseram, inclusive a minha mãe, que era muito esperta, e minha avó disse que não, que ia criar os dez, e assim ela fez. Criou os dez filhos sozinha e, graças a Deus, todos estão bem, ninguém partiu pra um lado negativo. Ao chegar em Aracaju, pra obter uma renda, ela começou a vender beiju, pé-de-moleque, vendia pé-de-moleque no antigo Cinema Vitória e vendia também no Carrossel do Tobias, e assim ela criou os dez filhos. Minha avó era prima do Mestre Euclides, e gostava de brincar o folclore, e, assim, a lembrança que eu tenho de minha avó é que todos os dias o meu pai e a minha mãe passavam lá, para a gente “dar a benção” a ela. Ela morava no Bairro Cirurgia, a casa ainda existe, e ela ficava sentadinha – a casa era assim, de corredor – e ela ficava sentadinha numa cadeira de balanço, porque ela era uma senhora doente, ela tinha “barriga d’agua” e vivia internada, muitas vezes, fraquinha, e todos os dias nós íamos lá pra “dar a benção”, todos os filhos, primos sobrinhos, netos, todos chamavam ela de “MAMÃE!”… aí ela beijava a nossa mão, a gente beijava a mão dela, em seguida ela dizia: “Cadê o chêirinho de mômô?”, e a gente baixava a cabeça e ela dava um “Xêro” na cabeça da gente. Essa é uma imagem que está muito forte na minha mente, bem clara, eu vejo todo o cenário, quando lembro da minha avó. Foi uma guerreiraç né? …. e quando as coisas apertavam, às vezes faltava a “mistura”, ela não ia pedir, não! Ela ia ali na praia Formosa, na 13 de Julho, catar caranguejo pra vender. E assim, ela criou os dez filhos e eu tenho muito orgulho da história da minha avó, como também tenho muito orgulho da história da minha mãe. São duas guerreiras, né? Domitila Maria de Jesus e Agripina dos Santos!

(Dora Santos, neta de Dona Domitila Maria de Jesus)

Maria Edilde dos Santos.

Nascida no povoado Pedras na cidade de Capela Sergipe, neta de índio e escravo, nunca teve a oportunidade de estudar, desde sua infância teve que trabalhar e aos 17 anos já havia conseguido conquistar uma nova casa para seus pais, trabalhando pelas fazendas e feiras de Capela. Um tempo depois casou-se e então veio para capital do estado Aracaju, onde logo se estabeleceu comercializando Acarajé (ofício
que aprendeu nos caminhos da vida).
Na rua São Cristóvão, em frente ao edifício Jangada no cento de Aracaju, ela estabeleceu seu ponto fixo, conquistou casa própria, criou 5 filhos e por mais de 5 décadas, vendeu seus bolinhos e compartilhou de sua alegria e simplicidade para gerações de Aracaju.

(Sly Canuto, neto de Dona Maria Edilde Dos Santos)

Maria da Conceição ou dona Morena,

assim minha vó era conhecida. Eu não a conheci, quando nasci ela já havia partido para o orum, mas sempre esteve presente no olhar das pessoas quando olhavam pra mim e diziam como éramos parecidas. Ou em algum doce ou prato saboroso que fazia meu pai revirar a memória e contar algumas boas histórias de como a minha vó era uma cozinheira de mão cheia. Me vejo semente, me vejo fruto dessa raiz forte que minha vó foi e é, destemida, não se rendia às adversidades, e eram muitas. Mulher negra, pobre, no Rio de Janeiro, criando 4 meninos, e mesmo casada, carregava uma sobrecarga desumana. Palavras do meu pai: “se só tinha um pouco de carne, ela multiplicava”, assim era dona Morena, multiplicadora, seja de comida ou de sonhos, e embaixo de sua asa todos estavam protegidos. Devota de Nossa Senhora da Conceição, mas sem negar a
espiritualidade ancestral, vó Morena deixou pra nós um legado de amor, de força e de fé. A força marcada a ferro na pele preta que resiste às intempéries da vida.

(Laila Oliveira, neta de Dona Maria da Conceição)

Judite Daniel dos Santos.

Nascida em 1919, seu nome Centro Africano é Kélèjän e foi recebido em sua feitura no Abassá São Jorge…
Ela é uma ponte entre o presente e a África Central dos antepassados, uma ancestral revivida em sonhos e imortal em palavras, aquele que nos ensinou e ensina os segredos.

(Erike Ogun, bisneto de Dona Judite Daniel dos Santos)

Minha biza pariu minha avó com 14 anos.

Foi a primeira dos 22 filhos que ela teve.
Minha avó pariu cedo, meu pai foi pai cedo, também…
Quando eu nasci, minha Biza tinha cerca de 65 anos …
Faleceu aos 89, com uma saúde de dar inveja em qualquer novinho de 20 hoje. Tenho certeza que ela estaria viva se fosse menos teimosa inclusive… “Minha riqueza”… Ela me chamava assim.

(Layne Almeida, bisneta de Dona Maria de Hermógenes Almeida)

Ex-operária, fotógrafa amadora,

Pernambucana de Carpina, mãe de três filhos criados com muito esforço no subúrbio de Salvador ao lado do meu pai,
também operário, foi com ela que passei a me interessar por fotografia, dando umas olhadinhas no cursinho por correspondência do Instituto Universal Brasileiro que ela fazia, com direito a revelação de filme e tudo o mais.
Apesar de não fotografar mais hoje em dia, permanece no cargo de guardiã oficial do acervo fotográfico da família e suas gerações… O curioso é que quando comecei esse projeto, motivado pela pergunta “você tem um retrato de sua
mãe?” eu mesmo não tinha nenhum…
…agora, eu tenho!

(Luciano Freitas, filho de Dona Marilene Maria de Freitas)

Eu escolhi minha vó,

Leonor Silva dos Santos, conhecida como Dona Preta. Uma mulher que foi muito importante pra mim e faz muita falta, descansou em 2005, o dia, mês eu não sei, pq desde que a perdi, quis apagar aquele dia da minha memória, aquela dor que parecia não ter fim, sei o ano pq foi o ano que perdi muita aula pra ir para o hospital dar o almoço dela, ela só queria comer comigo. Vó, era uma das poucas e boa rezadeira da comunidade, eu queria muito ser uma rezadeira como ela e pedia para ela me rezar apenas para tentar aprender as
orações que ela fazia, sem sucesso, apenas sussurros e folhas de pinhão ou goiabeira na cara, ela sempre cultuou o que lhe foi herdado pelos seus ancestrais. Batalhadora
lavou por muito tempo roupa de ganho, veio do povoado Patioba em Japaratuba, morou na Maloca no bairro Cirurgia, casou com Everaldo Domingos dos Santos e se mudou para o Jardim Esperança no Inácio Barbosa.
Era muito carismática, dessas que sorria com os olhos, participava do grupo de idosos da comunidade e fazia questão de interagir em todas as ações do grupo, me levou na maioria dos passeios. Essa mulher é minha referência enquanto mulher… Mulher Preta, dona de casa, mãe e pai, candomblecista, que não esmorecia mesmo com todas dororidades da vida. Obrigada, vó!!!

(Judy Ben, neta de Dona Leonor Silva dos Santos)

por Luciano Freitas

Luciano José de Freitas é baiano (nasc. Salvador, 23/11/1973), Servidor Público, lotado desde 2009 como Oficial Administrativo no Colégio Estadual Felisbelo Freire, em Itaporanga d’Ajuda. Antes disso, já atuava como cinegrafista freelancer. Em 2013, matriculou-se no Curso de Comunicação Social/Audiovisual da UFS (concluído em 2019). Em 2016 produziu “OcupAção” (disponível no YouTube), registro de uma intervenção urbana em uma ocupação nas instalações de uma clínica psiquiátrica desativada no centro de Aracaju. Desde então, tem tido a oportunidade de conhecer de perto e eventualmente registrar a atividade de diversos artistas – alguns dos quais ligados ao FAVS (Fórum de Artistas Visuais Sergipanos) – e músicos sergipanos, a exemplo de Música Antiga Renantique e Terpsícore Danças Antigas, e VHC (banda punk feminina). Em 2018 dirigiu e produziu em parceria com Cariolando Santos, colega de Universidade, o documentário “Sinal Vermelho: A arte de rua pede passagem”, que obteve o segundo lugar no Festival Cine Y Movilidad, no México. Também em 2018, realizou “Severo D’Acelino: REVISITAÇÃO”, sobre a trajetória do ativista do movimento negro em sergipe.Em 2021 produziu o documentário “CASA: Um olhar imersivo sobre a luta por moradia em Sergipe” que aborda o tema da luta por moradia digna em Sergipe, levando o espectador a uma ocupação através de uma experiência imersiva, usando o formato de Realidade Virtual conhecido como vídeo em 360 graus.

Referências:

BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaio sobre literatura e história da cultura. In: OBRAS ESCOLHIDAS, Vol. 1, Ed. Brasiliense, São Paulo, SP, 1985, Pág. 93. Trad.: Sérgio Paulo Rouanet.

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