[SEÇÃO RESENHA CRÍTICA]
O documentário descrito de forma livre traz a biografia de Chico Rei, personagem histórico em Ouro Preto, Rei Congolês, que foi escravizado no Brasil e conseguiu sua liberdade e de outras pessoas negras escravizadas. Mas essa personagem representa muito mais que a sua história individual. O ponto que me chamou atenção no filme é como a personagem é mostrada a partir de depoimentos do povo, da história da mineração em Minas Gerais, mais especificamente Ouro Preto, na fé e na Congada. Todos esses pontos formam um corpo – linguagem na qual vamos conhecendo Chico Rei de maneira profunda e através da oralidade, sabedoria ancestral que tece e embala os que assistem o filme e fazem parte da própria biografia de Chico Rei, tornando-se uma entidade ou personagem mitológica. Por não se terem registros sobre sua vida, continua vivo entre o povo.
Mais forte que os registros, é como esse personagem sobreviveu em meio a tantos apagamentos históricos em Ouro Preto. Ao meu ver, o filme consegue trazer essa profundidade, também refletida na pesquisa, que vai tecendo uma trama permeando a história, chegando até São Paulo, no bairro da Liberdade, onde também ocorreu essa apagamento da nossa cultura, e no centro de São Paulo, onde existe o movimento da Irmandade do Rosário dos Homens Pretos. Nos imaginamos no caminho da fé de nossa ancestralidade que continuou se manifestando mesmo estando em espaços e igrejas que fossem designados apenas para pessoas negras escravizadas, podendo exercer mesmo com sincretismo sua fé. Senti Chico Rei como uma entidade, pois é através da Fé e da união, que o vemos se manifestar na Congada, registrada lindamente no filme, e na Ocupação Chico Rei, em Ouro Preto, onde famílias passaram a construir suas casas num lugar seguro, sem correr riscos de desabamento, dando o nome da Ocupação, por sua força coletiva como Ocupação Chico Rei.
Ouvimos nos depoimentos dos guias e historiadores através dos trajetos nas Minas, o poder do resgate da nossa história negra no Brasil, recontando, as cenas apagadas, como a “mão de obra” especializada nas construções das minas e extração do outro, que exigia conhecimento em engenharia, matemática, física e manejo com o ouro. Até então, lembro-me de ouvir na escola apenas a parte “triste” da história, ou era como se não tivéssemos inteligência, sendo apenas corpo trabalho, com o filme me conectei com nossa potência.
O filme abre com uma cena do mar, as ondas indo e vindo. Essa sensação, de que a memória se dá – ao passo da verdade.
Assisti ao filme Chico Rei Entre Nós, com direção da Joyce Prado, no Cine Bijou, o filme foi finalizado durante a pandemia e teve poucas exibições até o momento. Por tudo que ele representa desejo que alcance muitos sentires por esse mundo afora.
por Thais Namai
![](https://apan.com.br/wp-content/uploads/2023/10/21993053_1838135499535454_4842916036741970198_o-1-1024x1024.jpeg)
Artista, contadora de histórias, mãe do Rudá. Há 11 anos me expresso através da fotografia documental, após ter me formado no Instituto Criar de TV, Cinema e Novas Mídias em Cenografia (2010) e na Universidade Anhembi Morumbi em Fotografia (2011). Desde então iniciei em minha vida uma pesquisa constante entre as diversas linguagens artísticas, passando por projetos de audiovisual e teatro, onde atuei como produtora e foi uma grande escola para confluir a forma e conteúdo. Articular meus processos autodidatas de estudos, incluiu oficinas e workshops em diversas temáticas, como roteiro, contação de história, fotografia de teatro e analógica, teoria do feminismo negro, doulagem e saber ancestral. Atuo na gestão do Coletivo Sobre Olhar onde realizo diversos trabalhos na área do audiovisual como produtora e videomaker. Atualmente integro o Núcleo Negro de Pesquisa e Criação e o grupo de estudos da Agbalá Conta.